25 | NÃO VOU ATENDER

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     NÃO VOU ATENDER
ADAM

3 MESES ANTES
O DIA QUE FUI UM BABACA
FINAL DO OUTONO EM BAYFIELD

Desconhecido

A merda do novo aparelho vibra pela centésima vez naquela noite. Ignoro a chamada, controlando a tentação de afundar aquele celular no copo.

Não queria falar com ninguém, mesmo que esse ninguém fosse alguém.

Rodo o copo de uísque entre os meus dedos, sobre a bancada de madeira envernizada, o Flannigan's estava calmo naquela noite, com os bêbados de sempre, incluindo eu.

Era estranho voltar àquela rotina: beber, dormir, fazer cara feia, chutar algumas bundas. Nem parecia mais a minha maldita vida. Beberico um gole generoso de uísque apreciando a solidão, mas minha mente fodida estava em outro lugar. Cacete. Aquela pirralha tinha fodido com a minha cabeça e acabado com tudo. Bebo. Tento não pensar onde ele está. Tento não pensar que é o aniversário dela. Tento não pensar que estou sendo um filho da puta altruísta que quer salva-la de mim. Um filho da puta que está esmagando a única pessoa que segurou a minha mão.

Contudo era por um bom motivo: salva-la.

Bebo, com a mente fixa naquele argumento. Tinha que ser assim. Era melhor assim, para ela. A Sunshine merecia um cara decente, capaz de amar, determinado a conquista-la todos os dias. Não podia. Não tinha o direito de prende-la a mim e roubar a chance de ela ser feliz.

Era egoísmo. Um fodido egoísmo que não tinha, não iria prende-la a mim apenas para me salvar. Apenas porque queria seu corpo enroscado no meu, para esquecer, para não pensar. Era injusto. E não precisava de mais essa injustiça.

Bebo, ignorando o falatório na mesa de sinuca ou as demais conversas alheias.

— Você não parece bem — uma voz feminina observa.

Encaro a velhota de cabelos curtos, pular sobre o banco ao meu lado, chamar a Pippa e pedir dois uísque sour para beber. Rio incrédulo, não por humor, mas pelo destino que amava me odiar.

— Qual é a graça — a doutora Chata Fode dispara cruzando os dedos e me encarando calmamente.

— Nada — balanço o copo no ar quando paro de rir — Espero que isso conte como uma sessão — observo antes de beber.

— Pode apostar que conta — Charlie sorri, batendo um pequeno bloco de capa de couro preta e uma caneta sobre o balcão — Trouxe até o meu material.

Bufo. Bebo.

— Você é cruel.

Só porque tinha faltado a última consulta naquela semana. Não queria falar.

— E você é um fujão — dispara calmamente, produzindo o maldito click, com sua caneta, que faz meu corpo tremer — Como você está, Adam?

Pippa chega antes do que a minha resposta com as bebidas, peço mais uma dose de uísque puro, apesar de ter um copo de uísque sour deslizado na minha frente. Aquela bebida era coisa de velho e mulher, uísque, açúcar, suco de limão e clara de ovo batidos em uma coqueteleira.

— Ainda vivo — murmuro com nojo diante da bebida — Apesar de tudo — ergo minha mão ferida ainda dentro de uma tala.

A psicóloga nada responde, apenas me observa sem qualquer emoção, que surge ao bebericar o drinque que parece agradar o seu paladar. Ela bate o copo de vidro sobre o protetor na mesa.

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