33 | (DES)ASSOMBRO

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     (DES)ASSOMBRO 
TATE

2 MESES ANTES
COMEÇO DO INVERNO EM BOSTON

A decisão estava tomada.

A sineta sobre a porta da cafeteria quase na esquina da Stay Home anuncia a minha chegada. Os olhos azuis em uma mesa de canto erguem-se ligeiramente com o barulho. De longe posso ver um suspiro – que deveria ser de alivio – sair por entre os seus lábios.

Seus olhos não demonstram o mesmo alívio ao encarar a jovem loira e carrancuda ao meu lado, Alice. Não tinha como ir lá sem ela. E talvez nem quisesse ir sem ela.

Minha amiga fica pelo caminho, sentando-se em uma mesa na fileira ao lado, com melhor visão. Tragando o ar entre uma passada ou outra me aproximo do loiro dentro de um terno azul escuro, sem gravata e camisa branca aberta alguns botões acima.

Entre seus dedos uma xícara de café é rodeada. Seus lábios simulam um sorriso que quase some quando não recebem outro de resposta.

Puxo a cadeira de madeira e jogo meu corpo. Apoio os braços sobre a mesa e simplesmente o encaro. Encaro o meu passado. Encaro o homem que tinha me destruído de variadas formas. Encaro o pânico que tinha deixado para trás.

E lamento.

Lamento a morte da minha inocência. Lamento a morte da minha capacidade de amar, minha capacidade de confiar.

Ele tinha tirado tudo.

Relações não deveriam ser como a nossa fora. Relações tinha que agregar, não destruir, roubar e machucar.

— Fiquei feliz que tenha aceitado vir — seu tom é novo.

Guster controlava melhor as palavras na ponta da língua, seu tom não se alterava mais, quase como uma farsa teatral ensaiada que não conseguia engolir.

Pela primeira vez na vida não sinto vontade de responder. Minha vontade de tagarelar some, deixando um peso no peito, que apenas possibilita meus olhos de analisarem tudo, em completo e total silêncio.

Não tinha vontade de dar mais nada para ele, nem as minhas palavras.

— E vejo que trouxe a sua amiga — seus olhos correm para a fileira ao nosso lado, não o imito, não precisava para saber qual era o olhar da Alice — Eu não vou fazer nada — balbucia voltando a me encarar — Eu quero paz.

— Ela insistiu em vir — revelo sem muita vontade.

Remexo meu corpo na cadeira, troco minhas mãos de posição, colocando a direita agora por debaixo da esquerda.

— Ela me odeia — observa levando seu olhar para dentro da sua xícara cheia — É compreensível — ele sorri — Mas ela vai me matar com olhar.

Não compartilho do seu humor. Seus olhos percebem minha falta de humor. Ele pigarreia desconfortável, em um suspiro, que faz seu corpo parecer estar sentado em um lugar incomodo.

— Ela não morde — o tranquilizo.

— Ainda bem — a satisfação é esboçada em seus lábios — O seu amigo já me assustou o suficiente.

Estreito os olhos, confusa.

— Amigo? — reclino-me para frente.

— É — seu olhar é surpreso ao perceber que poderia não saber de nada — Aquele cara alto, moreno, com uma tatuagem no braço, que vai estrelar um programa novo de reformas.

— O Adam? — solto perdida.

O que o Adam fez?

O Adam em Boston?

HEARTOnde histórias criam vida. Descubra agora