36 | (DES)CONSTRUINDO

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(DES)CONSTRUINDO
TATE

2 MESES ANTES
METADE DO INVERNO EM BAYFIELD

Minha cabeça remexe-se confortavelmente apoiada na coxa do moreno sentado no sofá em que estava deitada. Encaro os pequenos quadrados desenhados no pequeno livreto de papel cheio de palavras cruzadas, que vez ou outra usava para passar o tempo.

Adam assistia ao jogo de hóquei que estava quase no fim. Não era tão fã assim para passar longos e intermináveis minutos prestando atenção, não tinha paciência.

— Deserto onde vive o povo tuaregue, com cinco letras? — dou voz a enorme dúvida que me impedia de completar o desafio — Mas que povo é esse?

— Nômades, vivem no deserto do Saara.

Abaixo o pequeno livro e o lápis que roçava meus lábios, rolo a cabeça para trás, na busca do par de âmbares – focada na televisão – o encaro, sem resposta.

— Como você sabe disso? — questiono ao homem sem camisa.

Aquele homem parecia não sentir frio. Nada. Podia coloca-lo pelado do lado de fora do loft que ele sairia desfilando inabalavelmente. Seus dedos coçam a barba à medida que seu dedo zapeia pelos canais.

— Eu sei — dá de ombros.

— Sabe? Como? Já esteve lá?

Seus olhos correm até os meus cheios de censura, como se a resposta fosse óbvia e estivesse tatuada na sua testa. E de certa forma estava, eu quem esquecia, Adam tinha sido um fuzileiro. E fuzileiros conhecem o mundo. Ou quase isso.

— Ok — cantarolo revirando os olhos — Às vezes esqueço que você já conheceu o mundo — volto a atenção para o quadriculado a minha frente, tocando o papel com a ponta do lápis — Saara — escrevo — Time de hóquei com seis letras e termina em Senators?

— Ottawa.

Sorrio satisfeita, escrevo as letras. Como ele não saberia daquilo.

— Ottawa, claro — cabe certinho — Alguém muito prestativo e equivale a uma das mãos — levanto a lateral do lábio pensativa, apoio a ponta do lápis na minha boca — Adam Baylor não é — cantarolo brincando, rolando os olhos para cima.

Ele me ignora como sempre. O que não me ofende. Nós éramos assim. Nós. Ele do seu jeito. Eu do meu jeito. Nenhum dos dois tentava se encaixar no outro, não éramos um quebra cabeça ou a metade da laranja. Talvez fossemos duas peças tortas.

Olho para a tela. Paro os olhos com a cena de Jimmy Stewart em preto e branco sentado na ponte.

— Ei, para aí, é a Felicidade não se Compra.

— O que? — seu olhar confuso o impede de mudar de canal.

— O filme — aponto com o lápis para a tela presa na parede.

— Você não deveria estar preocupada com suas palavras cruzadas — observa.

Dou de ombros.

— Acho que você já percebeu que sou péssima nisso — jogo o pequeno livreto em direção aos meus pés — E eu amo esse filme. Na verdade amo todos os filmes de Natal — cutuco sua coxa coberta pelo moletom — Vai dizer que nunca assistiu em algum Natal a história de George Bailey?

Bufa.

— Não.

— Não? — solto incrédula.

Quando passava o Natal com o meu pai, assistíamos sempre, era uma pequena tradição dos Evans.

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