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TATE

3 MESES ANTES
O FINAL DO OUTONO EM BAYFIELD

Eu era ruim na cozinha. Não. Eu era péssima. Mais do que péssima. Horrível. Um desastre ambulante com fome, cuidando de um cara ferido e tentando criar um prato decente para alimentar nós dois. Literalmente. Tentar fritar um bife não estava sendo uma melhor opção, aquilo estava soltando mais fumaça do que o normal. Abano a fumaça, a água na panela ao lado borbulha com o macarrão instantâneo que leva muito mais do que três minutos.

Quando bife grelhado começou a soltar fumaça?

Suspiro frustrada.

Ergo a cabeça, no meio da neblina.

Olho o homem de bruços esparramando na cama de casal. Seus braços repousavam sob o travesseiro junto com a sua cabeça. Adam tinha dormido a noite inteira e quase todo o dia. Com um sono intranquilo. Parte de mim desejava arrancar cada pedacinho do que o machucava, mas não podia.

Seu apego pela culpa era maior do que qualquer palavra racional. E eu o entendia. Entendia como era se culpar por algo que não tínhamos culpa. Já estive naquela situação, com Gus. Eu me culpava o tempo inteiro após que as agressões começaram, pensava que podia ter usado uma calça ao invés de saia, poderia ter ficado em silêncio ao invés de tagarelar. Demorei a perceber que o problema não era comigo, que a culpa não era minha. Mesmo longe daquela relação, levei meses para entender que nada tinha sido culpa minha, que jamais poderia ter feito algo de diferente.

Esperava que o Adam levasse menos tempo do que eu. Queria ajuda-lo. Estar ali era minha forma silenciosa de segurar a sua mão sem ofende-lo.

Foco nas costas cheias de cicatrizes – que não podia curar -, seu corpo subia e descia tranquilamente. Curvo os lábios. Eu não queria estar em nenhum outro lugar. Algo me atraia para ali. Algo me chamava para o Adam. Talvez nossas feridas. Talvez [...]

— Aí — resmungo ao sem perceber o cabo da frigideira de ferro esquentar e queimar meu dedo — Droga — encaro a carne que já nem parecia mais carne — Droga. Droga. Droga — murmuro para mim mesma, desligando o fogão e jogando a frigideira esfumaçante dentro da pia.

Ligo a torneira sobre o ferro quente, soltando mais fumaça.

— Droga — solto irritada, abanando a neblina que arde meus olhos.

Um barulho no fogão me alerta.

— Não — gemo de sofrimento.

A água da pequena panela cai para fora. Desligo a boca do fogão, com água no chão e pedaços de macarrão sobre o fogão. O estrago estava feito.

Choramingo.

— Como você é barulhenta, Sunshine

Dou um pulo com o resmungo atrás de mim. Não tenho dificuldades para encontrar o moreno sem camiseta, com um curativo nas costelas, sentado sobre os seus lençóis cinzas e esfregando suas madeixas desgrenhadas.

— Droga — afundo minha cabeça entre os ombros, cheia de culpa — Desculpa ter te acordado, Adam.

Eu era péssima.

— Que horas são? — ele esfrega os olhos ao levantar-se.

— Quase noite — revelo.

O som da pia enchendo me atrai. Me viro, para desligar a torneira. A frigideira e o que deveria ser um bife boiam miseravelmente, assim como a comida instantânea na panela quase vazia. 

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