35 | NÃO TEREMOS GUERRA

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   NÃO TEREMOS GUERRA
ADAM

2 MESES ANTES
COMEÇO DO INVERNO BAYFIELD

— É oficial — Elliot decreta estendendo uma garrafa de cerveja — Somos famosos.

— É

Encaro o lago BayBay há alguns metros de distância de nós, sentados sobre a carroceria da velha caminhonete. Ainda não tinha conseguido olha-lo nos olhos sem uma pontada de culpa.

Inferno.

Ser quase pego no meio das pernas da irmã do seu amigo não era nem um pouco excitante. Caralho. Era fodidamente perturbador. Apesar de não ser surpreendente. Cedo ou tarde, com aquela pirralha inconsequente, poderia acontecer.

Torço a pequena tampa de metal sobre o gargalo de vidro, a jogo ao meu lado. Viro a cerveja que desce quente, assim como o meu corpo só com uma camiseta, mas ainda quente. Aquela garota iria acabar comigo de fodidas diversas maneiras. O pior que não tinha mais forças para contê-la. Não tinha um pingo de maldita força de vontade para impedi-la, para me impedir de quere-la. Eu a queria como a última gota dentro do fundo de uma garrafa de uísque.

Aquela sensação era insanamente nova. Era insano como a vontade corria pelas minhas veias, impregnada na minha corrente sanguínea um desejo por apenas mais um pedaço dela.

— Achei que você ficaria mais infeliz — as palavras vêm acompanhadas de um cutucão.

Sem pensar viro a cabeça. Os olhos castanhos me observam na maior inocência. Meu estômago se revira, mas não tanto quanto imaginava. O desejo estava se tornando maior do que a fodida culpa. Entreabro os lábios surpresos com aquela constatação.

A ideia de sermos um segredo não me perturbava.

Viro um gole da cerveja, dando de ombros e mirando o olhar em direção ao lago no centro da pista com poucos corajosos sobreviventes se exercitando naquela noite, do centro com água começava a sair uma suave e perceptível fumaça branca.

— O que você quer que eu diga, cara? — apoio a garrafa no meio das minhas pernas abertas — Talvez esteja me conformando.

— Eu não — revela afastando o gargalo dos lábios — Você viu a nossa cara no shopping?

Estreito os olhos em sua direção surpreso, apesar de já ter me deparado com uma versão minha de papelão.

— Não — solto distante.

— Não? — Elliot sopra o ar para fora em um quase assobio — Estamos lá em versão de papelão, a Riley quase levou para casa o papai postiço — ri com a lembrança.

Bebo com as minhas próprias lembranças de mim, minha versão de papelão e uma pirralha mais imatura do que a Riley. A lateral do meu lábio curva-se. Percebo surpreso o quanto aquela lembrança era reconfortante para ser revisitada. Balanço a cabeça, puxo o lábio para baixo, bebo, ignorando a fodida constatação de que começava a acumular lembranças boas.

— Saudades de quando trabalhávamos para pagar o almoço — murmuro afogando os pensamentos.

— Quem diria — o cara ao meu lado suspira pensativo.

— Eu não — balbucio bebericando a cerveja quase no fim.

— Você se arrepende?

Dou de ombros. Ciente de que minha decisão não cabia arrependimentos, fiz por necessidade, não escolha. E faria de novo.

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