— Ah, meu Deus! — O grito foi inevitável.
Saí da cama num pulo e peguei o que precisava para examinar a paciente.
— Kelly? — indaguei passando a mão na frente de seus olhos abertos.
Calcei as luvas e peguei a lanterna. Coloquei-a de costas na cama e inclinei sua cabeça.
— Kelly? — chamei novamente, mas ela apenas me olhou. Passei a lanterna por seus olhos e a vi piscar, suas pupilas reagiram à luz.
Eu estava tremendo e ofegando, pois prendi a respiração quando a vi de olhos abertos.
Fiz todos os exames e guardei os instrumentos. Sentei na beirada da cama e a fitei.
— Kelly, consegue falar comigo?
Ela mexeu a cabeça de leve e notei que não conseguiria falar.
— Ok, pisca uma vez para 'sim' e duas para 'não'. Você tentou falar ao acordar?
Uma piscada e eu estava prestes a enfartar. Senti a lateral do meu rosto coçar e ao tocar no local estava encharcada de suor.
— Eu sou a Manu, sua enfermeira e... — ela piscou uma vez. — Tudo bem. Consegue se mexer?
Duas piscadas e meu coração gelou. Levantei e procurei suspirar fundo, pois estava difícil. Eram duas e meia da manhã. Engoli saliva sentindo a minha garganta arder. Peguei o celular, trêmula, e procurei o número do médico, mas me lembrei que ele tinha apenas o celular da Nicole e o telefone fixo da casa salvo.
— Nicole! — falei como se me desse conta naquele momento de que precisaria comunicar a ela.
Olhei para Kelly e vi seu olhar fixo em mim, como se quisesse me dizer algo.
— Está bem? — perguntei, próxima a ela.
Uma piscada. Segurei sua mão e respirei fundo, ainda tentando me acalmar.
— Sente a minha mão? — Ela piscou uma vez e apertou minha mão com a sua, fracamente.
Eu estava em êxtase. Lágrimas jorraram dos meus olhos sem que eu pudesse evitar. Era o início da recuperação dela. Depois de uns segundos dando vazão às lágrimas, eu sequei meu rosto com a mão esquerda, pois a direita estava segurando sua mão.
— Vou... — Engoli saliva — chamar a Nicole. — avisei e mencionei sair, mas ela segurou minha mão com mais força. Não era uma força que me impedisse de sair, mas era mais forte, como se pedisse para eu não ir.
Estiquei a mão esquerda e peguei o estetoscópio, coloquei nos ouvidos sem largar a mão dela e auscultei seu abdome. Estava tudo ok, ela me fitava fixamente acompanhando os meus movimentos com o olhar. Reflexo estava bom. Precisava de exames para sabermos o que estava acontecendo.
Acariciei a mão dela com as duas mãos e a fitei.
— Preciso avisar à Nicole.
Duas piscadas!
— Por que não? Ela é sua esposa, quer o seu bem. Vai vibrar ao saber que acordou...
Duas piscadas e comecei a ficar tensa com aquilo. Quando pensei em insistir, notei os batimentos cardíacos dela acelerando e seu olhar ficar suplicante.
— Ok. De manhã cedo ela vai saber. Vou precisar relatar, Kelly, é o meu trabalho. — Fui firme e ela deu uma piscada, aparentemente cansada, e fechou os olhos.
Me levantei e apertei o meu rosto com as duas mãos, tentando absorver aquilo. Eu estava querendo gritar, acordar todo mundo, mas não estava entendendo por que Kelly não queria que a própria esposa soubesse de sua melhora.
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.