Eu já revirei a cidade inteira atrás da Dafne e não encontrei nada, ninguém viu. Fui até à casa da família dela e quase me lincharam lá. A desgraçada sumiu.
— Vou dar uma recompensa de cem mil para quem me entregar ela — falei numa reunião com o pessoal.
Eles ficaram em polvorosa. Peguei uma cerveja e me sentei para esperar que se acalmassem.
— Não acha que isso é muito dinheiro, chefe? — Ildo, meu homem de confiança, perguntou.
— Não. A Dafne é minha, Ildo. Ela não pode me largar assim.
— Entendo, mas já pensou em largar ela e arrumar outra mais bonita?
— Não quero outra. Quero ela e vou ter ela de volta. Esse dinheiro vai dar um gás nesses malucos.
Ildo não entendia nada dessas paradas. Trocava de mulher como trocava de roupa e eu era fechado com a Dafne. Ela só estragou tudo com essa ideia doida de que eu mudei e que fiquei violento. Nunca mudaria com ela e nem teria coragem de encostar um dedo nela.
Eu amo a Dafne há tanto tempo que é covardia da parte dela me deixar quando eu mais preciso. Eu só cuido dela, não quero que fique conversando com outros homens, nem trabalhando fora. Ela não precisa disso. Eu trabalho para dar uma vida de rainha para ela, e ela faz isso, se manda sem deixar um rastro.
Se tem eu, para que ficar se arrumando toda, cuidando de unha, de cabelo? Eu a amo do jeito que ela é. Não cobro nada. Se a mulher não for perfeita, o Ildo não quer. Eu sou fiel à Dafne até a minha morte e se tiver vida depois, serei fiel também. E ela não precisa estar perfeita, de unha feita, cabelo pintado, nada disso. Amo do jeito que é.
— Mulher reclama de homem safado que trai, mas quando acha um fiel, que dá a vida por ela, não quer também. Eu não consigo entender.
— Brother, relaxa com isso. Se esse plano de recompensa der certo, ela logo vai chegar.
Confiei naquilo e no dia seguinte o pessoal foi à caça. Ninguém encontrou nada. Milhões de teoria passaram pela minha cabeça, até que ela estava colocando os caras contra mim.
— Cento e cinquenta mil para quem me trouxer a Dafne aqui nessa sala! — gritei apontando para o local em que estava, a sala era no segundo andar de um galpão onde recebíamos encomendas, de lá eu falava e podia ser visto e ouvido pelos caras que ficavam no primeiro piso. — E morte aos traidores.
Ouvi o burburinho deles protestando e avisando ao mesmo tempo que nenhum era traidor e senti a mão de Ildo me cutucando.
— Qual é, cara? Tá doido? Esse pessoal é fechado contigo.
— Difícil confiar, Ildo. Que eles não me escutem, mas se você me trouxer a Dafne, a recompensa é de duzentos mil. Em você eu confio.
Ele apertou a minha mão com força e me deixou sozinho, assim como os demais. Sempre que ficava só, eu pensava no meu irmão e no que ele aprontou comigo. O desgraçado era pior do que o bandido que eu matei em memória dele. Então se a melhor pessoa da minha família não valia nada daquele jeito, o que eu poderia esperar do resto? Nada, por isso Dafne era meu foco e eu queria que ela ficasse para sempre comigo.
Quando fui abordado pelo advogado amigo de Júlio, eu quis mandá-lo para o inferno, mas o ouvi e fiquei indignado com os fatos. Eu estava rico, mas tinha muita vergonha de tudo, nem contei para a Dafne nada daquilo, pois eu dei a minha vida dentro da lei pela memória fodida do meu irmão filho da puta. Com que cara ela olharia para mim depois de saber do que houve?
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.