Nós

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Sempre sentia o cheiro dele, no ônibus, às seis da manhã. Mas envolvido com os meus inúmeros contatos, nunca sequer levantei a cabeça para olhar para ele e conhecer, também, o seu rosto. Porém, pelo cheiro, muito bom por sinal, eu sabia que ele sempre se sentava ao meu lado, não importava se tinha outras cadeiras disponíveis.

Decidi, depois de me separar de um cara que foi muito canalha comigo, que iria pegar sem me apegar. Eu sempre namorei, sempre fui fiel, e aos vinte e três anos, já colecionava dois longos namoros. Resolvi experimentar sem compromisso e baixei um aplicativo de encontros. No início foi bem estranho, pois eu nunca havia beijado um desconhecido no primeiro encontro, quem dirá transar. Mas depois, ao fazer novos amigos, me vi à vontade na putaria.

Eu estava conversando com doze meninos e muitos deles, só dormiam depois das seis, pois viravam a noite na internet, então eu tinha muito assunto com eles na viagem até o trabalho. Mas um dia, por incrível que pareça, nenhum me respondeu. Coloquei uma música e fechei os olhos. Os abri ao sentir o cheiro dele e fiquei maravilhado com a visão que tive. Até me arrependi de nunca ter sequer fitado seus olhos em busca de algo.

Como sempre, ele se sentou ao meu lado. Era uns dez centímetros mais alto que eu, músculos marcados na camiseta de uniforme de uma loja de ferragens. Tinha um fone de ouvido pendurado no pescoço. Tirou a alça da mochila de um dos ombros e se sentou. E parece que o cheiro dele se intensificou.

Fiquei igual um retardado olhando para ele. Mas nada aconteceu, ele se manteve sério, colocou o fone nos ouvidos, pegou um livro, que imediatamente tentei ver o título, e me ignorou a viagem inteira.

Eu não consegui fazer nada. Até a playlist rolou sozinha sem interferência minha naquele dia. Eu estava de boca seca, sentindo o cheiro daquele deus grego negro maravilhoso.

Ele descia um ponto antes do meu, então já cogitei a possibilidade de cruzar com ele no horário de almoço e ir para o ponto dele no horário da saída.

Foi o que fiz, mas ele não apareceu e precisei ir embora sozinho. No dia seguinte, ele repetiu o que fazia sempre: se sentou ao meu lado, colocou o fone de ouvido, pegou seu livro e me ignorou. Depois de uma semana assim, eu resolvi desencanar, pois o novo eu não ficava por muito tempo sofrendo nem encantado por mais ninguém.

No dia seguinte fui a um encontro e comecei a achar defeito no menino, pois o perfume não era o mesmo que o dele. Comemos fast-food conversando bobagens, nos divertimos muito, mas não me entreguei como fiz com os outros e ficamos apenas nos beijos.

Fiquei alguns dias sem entrar no aplicativo. Estava sem ânimo. Ao invés de conversar com os contatinhos, eu resolvi ler durante a viagem de ônibus até o trabalho. Mas eu lia pelo celular. Senti que ele me olhava e olhei de soslaio. Permaneci na mesma posição, mexendo apenas o dedo para passar a página. Ficamos assim por três dias. O fim de semana chegou e não nos vimos. O que me deixou ansioso pela segunda-feira. O domingo se arrastou, lavei minha roupa, arrumei umas coisas. Tirei o lixo da minha mochila e terminei o livro, já iniciando outro em seguida.

Naquela noite, deitei ansioso como se tivesse um encontro com ele no dia seguinte às seis da manhã. Dormi mal e acordei inquieto, com os olhos ardendo. Fiz tudo o que precisava e saí de casa. Sentei no mesmo lugar e ele repetiu o que sempre fazia. Só um detalhe me chamou a atenção, ele estava com os olhos vermelhos. Ficamos naquele ritual até a sexta-feira daquela semana.

Como ele nunca voltava no mesmo ônibus que eu, eu não me atentei a quem entrava no veículo. Li e dormi na volta para casa. Mas ao me levantar para descer o vi perto da porta preste a sair. Meu coração deu um salto, quase me desmaiando, ao parar. Tentei agir naturalmente, mas foi impossível. Eu senti uma pressão na cabeça quando ele me encarou e manteve o olhar no meu. Quando o ônibus parou, ele saiu da frente para que eu passasse, e desceu atrás de mim. Meu coração estava desesperado. Mesmo depois de um dia inteiro de trabalho, o cheiro dele ainda invadia as minhas narinas como acontecia todas as manhãs.

Antes que eu conseguisse descer de uma calçada na qual subi para entrar na minha rua, ela me puxou pelo ombro e me jogou na parede. Por um segundo eu pensei que fosse me assaltar. Mas ele me beijou.

Não fui racista, só estava muito nervoso. Eu como homem negro jamais faria algo do tipo, mas nesses momentos, a gente não pensa muito, não raciocina direito. Tanto que não o correspondi de imediato. Ele afastou a boca da minha e me olhou na penumbra.

— Entendi por que você nunca falou comigo... — disse, com sua voz grave num quase sussurro, me fazendo quase morrer. Mas antes que ele saísse, eu o segurei com força e o beijei.

O clima começou a esquentar e sugeri:

— Eu moro aqui perto — murmurei na boca dele.

— Eu sei — respondeu, antes de morder o meu lábio inferior.

Entramos na minha casa aos beijos. Eu estava há duas semanas sem ficar com ninguém, só pensando e sonhando com ele, então naquele momento não pensei em nada. Me entreguei completamente àquele estranho gostoso, que foi muito carinhoso, gentil e até romântico comigo.

Transamos três vezes naquela noite, fazendo uma pausa apenas para tomar uma cerveja. Se chamava Fábio. Eu queria perguntar mais sobre ele, mas me contive.

— Eu preciso ir! — avisou e se vestiu.

Eu coloquei uma bermuda e o levei até a porta.

— A gente vai se ver de novo? Me dá teu número.

Ele me puxou pelo queixo, me deu um beijo maravilhoso e foi embora. Eu fiquei pulando igual uma pipoca, feliz da vida. Já fazendo planos de falar com ele no ônibus. Passei aquela noite pensando em nós morando ali ou em outro lugar que ele quisesse.

— Vou falar com a tia para me conseguir um filhote de cachorro. — Pensei alto enquanto me arrumava para sair de manhã. Iria à padaria, e ficaria rondando o comercio local pelos próximos dois dias. Um momento ou outro eu esbarraria com ele. Mas não aconteceu nada. Fui ao mercado, à padaria, à distribuidora de bebidas, ao bar da esquina, à farmácia. E nada.

O meu plano era falar com ele no ônibus. E estava com as falas todas em mente. Nada daria errado e ele não me escaparia.

Mas ele não apareceu no ônibus na segunda-feira nem no resto da semana. Fui à loja de ferragens onde ele trabalhava e nem lá souberam me dizer o que houve com ele.

Sumiu!


Baseado em uma história real

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