Nós 2

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Depois de passar três meses vivendo de economias, fui contratado por uma loja de ferragens, em um bairro distante. Precisei ir de ônibus, pois era longe. Por mim estava tranquilo, pois eu usava esse tempo de viagem para ler e ouvir música. Um dia, eu estava cheio de sono quando vi um menino lindo digitando rapidamente no celular. Me sentei ao lado dele e esperei alguma atitude, mas nada aconteceu. Ele permaneceu de olhos fixos no aparelho. Eu coloquei meus fones e peguei um livro que estava querendo terminar havia um bom tempo.

Repeti aquilo nos próximos dias e quando notei já havia feito um mês desde que tinha assinado o contrato de experiência. E nada daquele garoto falar comigo. Olhei de esguelha para o celular dele e vi que conversava com meninos, em umas cinco janelas só meninos e, numa delas, vi uma foto bem íntima, quase uma nudez. Os assuntos eram bem mais interessantes que eu, claro.

Todo dia eu saía de casa pensando no menino do celular. Tomava banho, colocava perfume para ver se chamava a atenção dele assim, mas ele não reagia à realidade, preferia o virtual. Pensei até em entrar em algum aplicativo de encontro, mas achei melhor não. Eu ainda estava casado e morando com a minha mãe, não poderia arriscar iniciar uma guerra mesmo só morando com a minha esposa.

— Fábio, a Tamires tá precisando de um caderno novo, você tem como comprar? — perguntou Tamara, a mãe da minha filha, de cinco anos.

— Posso ver amanhã. Me envia uma mensagem com as especificações — respondi, enquanto assistia a um jogo de futebol. Ela aproveitou e colocou minha coberta e meu travesseiro ao meu lado no sofá. — Obrigado.

— Vocês são casados e insistem em dormir separados. Deus não se agrada disso, Fábio. — Minha mãe se meteu, como sempre tentando nos obrigar a reatar um casamento morto.

— Dona Fátima, a gente se casou por causa da Tamires. Estávamos apaixonados na época, mas não estamos mais. Amo o Fábio como amigo e sei que ele também me ama assim. Muito simples.

— Eu me casei com o pai dele sem nem conhecer direito e só a morte nos separou. Vocês estão arrumando desculpas. Têm uma filha que precisa de vocês juntos. Que base ela vai ter?

Inspirei profundamente e expirei com força, tentando buscar paciência. Minha mãe sempre julgava e reclamava de tudo. Nós estávamos morando na casa dela desde que fui demitido da outra empresa, junto com mais doze funcionários. E estava nessa loja de ferragens havia pouco tempo, então não tinha como ter saído da casa dela ainda. Tamara era técnica em enfermagem e trabalhava em uma agência, seu salário não era lá grande coisa, nem era fixo também.

Ouvi a discussão das duas entrando no quarto. Tamires fazia dever de casa.

Quando terminou o jogo, fui tomar água e escovar os dentes para dormir. Fiquei olhando para o teto, por um tempo. Depois adormeci. Acordei com a minha mãe conversando sozinha enquanto batia portas de armários, panelas, copos. Não entendia o motivo de tudo aquilo todas as manhãs, já que Tamara não deixava louça suja.

— Nessa casa só se gasta com despertador quem quer, né? — impliquei saindo do sofá e entrando no banheiro.

Ao sair, ela estava parada perto da porta da cozinha.

— Meu filho, você precisa ajeitar sua vida. Não dá pra ficar assim. Você tem seu quarto e não pode dormir lá?

— Mãe, entenda. — Suspirei fundo. — A Tamara e eu nos separamos há muito tempo. A Tamires precisa de conforto, eu estou bem no sofá. E logo isso vai passar e vamos morar em outro lugar, tá bom?

— Não tô te expulsando de casa, Fábio. Só acho errado você ser casado e não dormir com a sua mulher.

— Só somos casados no papel. Coisa que vamos mudar também na hora que nossa situação financeira melhorar, ok?

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