Carta Para Gabriela

197 29 36
                                    


Puta!

Foi o que ouvi sempre a seu respeito. Ele tinha interesse em você, mas como era casado te xingava dessa forma. Inúmeras vezes o ouvi dizer que louco era o homem que aceitava ficar com você depois de você ficar com homens e mulheres.

Denis sempre foi machista, no entanto me apaixonei, pois nunca, na época de namoro, mostrou o quão era intragável. Mas depois que nos casamos ele exigiu que eu parasse de lecionar. Sou professora de matemática do ensino médio. E eu amo minha profissão.

— Acha que vou permitir que continue dando aula para aqueles marmanjos cheios de hormônios, Luana? Nunca! Não sou homem disso. Eu trabalho dobrado, mas você vai parar de trabalhar fora. — disse quase gritando, outra coisa nova pra mim.

Acuada, eu parei de trabalhar. Ele fazia questão de sujar o banheiro além do necessário, deixar roupas espalhadas pelo chão. Trocava de roupa várias vezes quando estava em casa para me obrigar a lavar.

— É esse o seu trabalho: cuidar da casa e do seu marido. — cuspiu quando pedi que colocasse a roupa no cesto.

Com o tempo eu fui me acostumando. Mas aí chegaram as exigências sexuais. Inúmeras humilhações na cama.

Sou romântica, ele sabe, gosto de carinho, delicadeza. Claro que há exceções, mas a brutalidade que ele passou a usar comigo, me fez querer correr. O homem gentil, doce, que me mandava flores aos domingos tinha ficado para trás, mais especificamente antes da troca de alianças, diante do padre. Foi essa a sensação que tive.

Sempre te achei muito linda, era a minha referência de mulher feliz e realizada. Fiquei feliz quando te vi com aquele engomadinho. Vocês formavam um belo casal, apesar do seu cabelo rosa, na época, e o dele sempre muito bem penteado. Tuas tatuagens mostrando o quão livre era, e a pele dele muito pálida. Eu torci por vocês.

Mas depois de uns meses vendo vocês passarem felizes na frente da minha casa, notei o seu olhar cinzento.

É, eu te olhava, algumas vezes pela janela do meu quarto, por detrás da cortina, ou pela janela do sótão, quando eu era obrigada a limpar pela quarta vez naquela semana.

Eu notei o seu olhar cinzento e cada vez mais apagado, seu sorriso já não era mais tão feliz e logo notei que o relacionamento de vocês não ia muito bem. Lamentei. Mas depois de um domingo em que acordei cedo e te vi passando com roupa de festa, maquiagem já precisando de retoque e o olhar vibrante novamente, soube que quem apagava a sua luz não estava mais com você. Parei de lamentar. Percebi que você é feliz sozinha, e acho que era aquilo que me fascinava. Você permite que sejam felizes com você, mas a sua felicidade não depende de terceiros.

Alguns domingos depois, eu te vi chegar com uma menina, linda, por sinal. O seu braço estava envolvendo o ombro dela, que te abraçava pela cintura. Achei se tratar de uma amiga. Quando eu tinha amiga era carinhosa assim, mas vi você beijando a boca dela. De cenho franzido, acompanhei vocês com os olhos até sua chegada em casa. Eram seis da manhã, vocês namoraram por uns minutos no portão e depois ela foi embora, caminhando pela rua. Acredito que morava perto. Você entrou na sua casa com um olhar radiante.

Ele viu você com a sua amiga e começou a chamá-la de sapatão. Eu fiquei em silêncio. Um dia ele chegou em casa esbravejando que você era puta por namorar homens e mulheres. E babaca eram os homens que a levavam a sério. Aquilo me fazia sentir asco dele. O ódio que ele demonstrava sentir por você me fazia querer matá-lo. Não sou de sentir ciúme desmedido, mas odiava quando ele dizia que você era muito gostosa para ser sapatão e que se fosse solteiro pagaria uma cerveja para você ficar com ele.

SonetoOnde histórias criam vida. Descubra agora