Sinal
Parada em um sinal vermelho, alheia ao que se passava ao seu redor, Julia pensava na mãe, Amélia. A mulher estava deprimida, vivendo numa cama e aquela situação tirava completamente a alegria de viver da jovem, pois gostaria de ver a mãe bem, se cuidando. Mas já não lembrava dela de outra forma, sempre apática e muito triste, e nos últimos anos passou a ficar na cama.
Foi tirada de seu devaneio ao ouvir uma batida com um anel preto na janela de seu carro. Ela olhou para o lado e baixou o vidro ao ver uma moça.
— Bom dia! Biscoitinhos caseiros, deliciosos e em promoção! — Ela apresentou seu produto com um sorriso no rosto esbranquiçado de protetor solar.
Julia ficou paralisada, não sabia o que falar, apenas ouviu e mais uma vez foi tirada de seu transe quando recebeu uma buzinada. Viu a moça se afastar e notou que o sinal estava verde e só ela e os que estavam atrás dela, estavam parados.
— Que sorriso mais lindo, meu Deus! — comentou para si dando partida e olhando para a moça que também a olhava se afastar dali.
Precisava apresentar um trabalho na faculdade, estava atrasada. Quando terminou fez o mesmo percurso, mas não viu a moça.
Fez o mesmo trajeto no dia seguinte e lá estava ela, fazendo seu trabalho, correndo contra o tempo para apresentar seu produto ao máximo de motoristas possíveis dentro dos segundos em que o sinal ficava vermelho. Colocou dois pacotinhos de biscoito no retrovisor do carro de Julia, que o pegou, e na mesma pressa começou a procurar dinheiro pelo interior do carro, mas achou apenas uma nota de valor alto e entregou à moça, quando a viu voltar correndo.
— Fica com o troco! — avisou, quando a moça pegou a nota e parou olhando o valor e contando os segundos para o sinal abrir.
A jovem atleta do trabalho informal correu para alcançar os carros que receberam seus pacotes de biscoitos. No início dessa correria, dois anos antes, houve grande perda de material, mas não acontecia isso havia muito tempo.
A grande frustração de Julia foi chegar à faculdade e ver aquele pacote transparente, sem uma informação sequer daquela bela vendedora.
Família
Julia morava numa cobertura de frente para o mar no Rio de Janeiro, tinha um irmão mais velho inescrupuloso e um pai tão mau-caráter quanto, pois só se preocupava em saber quanto ganharia com seus negócios ilícitos.
A jovem tinha também um irmão caçula que estudava em período integral numa das melhores escolas da cidade. Amélia, mãe de Julia, herdeira de um império petrolífero, sofria de depressão e nos últimos meses passava mais tempo na cama do que fora dela.
Guilherme, o irmão mais velho de Julia morava em Londres havia pouco tempo, fugiu para lá depois de ser perseguido pela polícia, ao ser pego com drogas e se envolver em um assassinato. Gregório, o mais novo, tinha apenas doze anos de idade, sempre fora cuidado por babás, desde bebê, apenas estudava, era muito ligado à irmã.
Julia estudava medicina contra a vontade do pai, Luiz, que queria que ela estudasse engenharia química.
— Não me causa nada, pai, não me dá prazer nenhum. Se você quer alguém para cuidar das suas coisas ou das coisas da mamãe, estude você ou obrigue o Guilherme a estudar o que você quer.
— Tudo bem, Julia, não vou obrigar você a nada, mas vou precisar da sua especialidade no futuro.
— Não vou usar a medicina para ajudá-lo, pai. Só se estiver doente, aí o ajudo a ser cuidado por algum colega. — disse e deixou o pai furioso, sozinho.
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.