Era sexta, às duas da tarde quando recebi a ligação que mudaria a minha vida. Pulei de alegria quando desliguei o celular. Cléo, minha colega de quarto, trabalhava na sala, ela retirou os fones de ouvido e perguntou, sorrindo, entusiasmada:
— Conseguiu o emprego?
— O melhor, Cléo!
— Ah, que maravilha! Você merece — falou, se dirigindo a mim e me abraçando com força. — E vamos sair hoje, precisamos comemorar. Vou correr com esse roteiro.
— Eu vou avisar pra minha mãe.
— Avisa lá e pensa em um lanche pra gente. Vou comprar entradas da Terapia e vamos comemorar até de manhã. — avisou, se referindo à boate, e voltou ao computador.
Cléo era roteirista e editora de vídeos, naquele momento estava criando conteúdo para um canal do YouTube.
Fui para o quarto e liguei para a minha mãe. Desde que saí de casa, só falava com ela assim por telefone e escondido do meu pai. Ele me pegou beijando uma menina e me expulsou. Eu estava fazendo estágio em uma empresa e não conseguia me bancar sozinha. Passei uma noite na casa de um amigo e depois Cléo me chamou para morar com ela, pois estava voltando para a cidade e temia não conseguir emprego logo.
Eu fazia alguns freelas, mas nada que pudesse me manter sem ficar muito preocupada com tudo. Consegui, com muito sufoco, terminar o curso de administração, que o meu pai me pediu para fazer para poder ajudá-lo na empresa dele, mas poucos meses antes de eu terminar, berrou na minha cara que não tinha mais filha e que era para eu procurar o meu rumo e me virar sozinha.
Mesmo arrasada, eu saí só com minhas roupas e celular, pois nem meu computador ele me deixou levar. Fiz outros estágios, mas não era o que eu precisava. Por muitas vezes pensei em trancar a faculdade, mas Cléo sempre me disse que seria mais difícil sem um curso superior. E ela estava certa.
Fiz algumas entrevistas e não fui chamada para nenhum cargo. Estava prestes a aceitar um emprego da tia da Cléo, em uma contabilidade, quando surgiu vaga na SmartMelv, uma grande empresa de produtos eletrônicos. O salário era ótimo e o cargo era melhor ainda. Eu sabia que aprenderia muito lá e estava disposta a fazer alguma especialização na área se conseguisse o emprego.
A entrevista ocorrera na segunda-feira na torre D do imenso aglomerado de prédios da empresa. A torre D era a mais baixa das cinco, mas tinha o mesmo padrão de cor cinza chumbo das outras. Precisei fazer um cartão de visitante, deixei minhas digitais no sistema deles na portaria e passei por detector de metais, apenas para subir até o primeiro andar para ser entrevistada.
Passei por três profissionais, dentre eles o gerente de setor, um homem muito simpático que não devia ter nem trinta anos e que usava uns óculos Prada de aros verde-escuros.
— Amei seus óculos! — falei quando estava apertando a mão dele antes de sair. — Presumo que é exclusivo Prada. São lindos!
— Ah, obrigado. Eu mesmo que desenhei. Mandei fazer especialmente para mim. Odeio coisa que todo mundo tem.
— Arrasou! É perfeito. Obrigada pela oportunidade, Davi. Ótimo trabalho.
— Eu que agradeço por ter vindo, Maya.
Saí de lá e entrei no elevador, torcendo para que não fosse a única vez que entrasse ali. A SmartMelv era o sonho de qualquer profissional.
E minhas torcidas não foram em vão. Davi me ligou e ainda disse que eu seria assistente direta da presidência, pois tinha um ótimo currículo. Era muita responsabilidade, mas eu precisava desse desafio.
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.