— Você é a nova namorada da Ramanda? — indaguei à mulher a minha frente, sozinha na praça de alimentação de um shopping. Sua tristeza chamou minha atenção e precisei me aproximar.
— Sim. E você, quem é? — perguntou, de sobrancelhas franzidas, me encarando.
— Então você pretende se casar com ela. — Deduzi ao olhar para a aliança em seu dedo. — Só queria saber quem era você. E falar sobre a Ramanda. Não precisa se assustar, não vim discutir ou coisa do tipo. Só te falar que quando ela chora, não é com você. É coisa da gente. Fica tranquila. Tenta compreender, por favor.
— Quem é você? — perguntou de novo, quase exaustada com a abordagem.
— Eu sou aquela ex que ela não superou, mas ainda bem que você apareceu na vida dela, faça-a se lembrar de mim de uma forma saudável, por favor.
— Do que você está falando? — disse e olhou em volta sem entender nada, mas demonstrou querer saber.
— Eu vivi um romance clichê de livro romântico, daqueles que viram filme e emocionam milhares de pessoas.
"Foi tudo muito clichê na nossa vida. Se pararmos para pensar, a vida sem clichê é uma vida vazia. E eu vivi o meu. Sou completa... Ou quase completa, pois ela não é mais minha. Mas o que me deixa vazia, é vê-la sofrer mesmo apaixonada por você.
Conheci Ramanda na faculdade, eu cursava Engenharia Civil e ela Letras. Era uma ruivinha que usava uns óculos de aros grossos, daqueles 'fundo de garrafa', como falavam antigamente; cheia de sardas no rosto e em boa parte do resto do corpo também. Carregava, além dos livros de estudo, um livro chamado Para Sempre, de um casal de autores, livro de um romance real, que li depois enquanto ela dormia ao meu lado.
Eu, magricela e feiosa, cheguei até ela depois de vê-la derrubar uma echarpe salmão no movimentado pátio da faculdade. Ela fitou os meus olhos com aquele olhar verde e intenso, foi ali que soube que a amaria para sempre, pois uma onda de energia tomou conta do meu corpo todo, me impedindo de falar. Por um momento só havia nós duas naquele lugar cheio de pessoas transitando. Nada mais importava.
Ela sorriu ao me ver com sua echarpe, tocou na minha mão através da peça e senti seu calor, engoli em seco quando ouvi sua voz pela primeira vez:
— Obrigada — ela disse e correu para não chegar atrasada em sua aula. Eu passei um longo tempo ali parada, até que alguém esbarrou em mim e fui para minha sala.
A menina mais linda do mundo! Foi assim que falei dela para o meu amigo, que ao vê-la riu da minha cara, perguntou até se eu queria os óculos horríveis dela para enxergar melhor. Eu não liguei para aquele comentário, eu só precisava de coragem para me aproximar dela de novo.
Passei a forjar encontros entre nós. Ela sempre sorria quando me via. Usava aparelho nos dentes, mas era o sorriso mais lindo do mundo.
Meu coração sempre acelerava, ficava aos pulos, enlouquecido, quando meus olhos encontravam os dela, mesmo que por um segundo, quando nos víamos pelo campus.
Nos tornamos amigas depois que eu criei coragem de falar com ela. Foi um 'oi' bem tímido, mas foi o melhor início da nossa relação. Estudávamos juntas, nada a ver nossas áreas de estudo, mas passamos a estudar na casa dela e às vezes na biblioteca da faculdade. E aqueles eram os melhores momentos da minha vida naquela época.
Eu fazia questão de sempre lembrá-la do quão linda ela era. Ela enrubescia e eu me apaixonava mais.
Num dia em que ela não estava muito bem, eu a abracei com força, disse algumas palavras reais para levantar seu astral e quando ela parou e me olhou nos olhos, eu sequei suas lágrimas com os polegares e selei nossos lábios.
O beijo foi terno, durou pouco, mas foi intenso. Ela ficou envergonhada e passou alguns segundos sem me encarar.
— Eu te amo! — Eu disse e ficamos em silêncio. Ela olhava para um lugar indefinido depois de fitar meus olhos em busca de explicação para aquela frase tão forte que saiu da minha boca, mas que já transbordava do meu coração, e desviou o olhar, tão logo, a fitei de volta.
Por um momento pensei que ela pudesse ter odiado a minha atitude, mas quando fomos embora ela se aproximou devagar de mim e entrelaçou seus dedos nos meus e a partir daquele momento, não nos largamos mais.
Nos encontrávamos sempre que dava, tivemos nossas primeiras relações sexuais da vida."
— Não preciso saber disso. — Interrompeu-me e desviou o olhar, incomodada engolindo saliva.
— Desculpe — pedi e resolvi continuar por outro ângulo. — Ela gosta de café, mas não pode tomar, fica dias sem dormir direito. Eu dava descafeinado; faça isso, ela fica feliz e dorme direitinho.
"Ela é muito desorganizada, adora escrever, adora ler e você encontra facilmente livros espalhados pela casa dela. Não sei como ela consegue ler cinco livros ao mesmo tempo, mas ela lê. Ah, não arrume nada a não ser que ela peça. Ela gosta de ligar a TV, não presta atenção em nada do que se passa lá, mas gosta da companhia do aparelho ligado, então, não desligue. Não a acorde, ela odeia. Quando estiver na TPM, faça-a rir, ela vai te bater, mas logo depois vai te beijar, então os incômodos valem a pena. Dê chocolate a ela, flores também, ela vai reclamar que você as matou para presenteá-la, mas seus olhos brilharão ao tocar no presente e sentir seu cheiro.
Faça brincadeiras, o sorriso dela é o mais lindo do mundo e precisa ser exposto com frequência. Ela gosta de bater, mas não é violenta, é tipo mordida de cachorrinho fofo, é de forma carinhosa.
Provoque as rugas certas nela e ela vai querer envelhecer com você, a amará e vai parar de sofrer por mim.
Quando ela estiver com raiva, nervosa, não peça para se acalmar, fique calada, mas fale algo logo ou ela vai jogar algum objeto em você na intenção de matá-la.
Se por acaso, ela acertar algo em você, porque ela é ruim de pontaria e acho que é por isso que ela joga coisas quando está furiosa; mas caso ela acerte, deixe-a cuidar de você, aceite suas desculpas depois de fazer uma manha. Deixe-a achar que você ficou magoada, ela fica mais carinhosa. Jamais use isso a seu favor, ela é muito esperta e a fará se arrepender."
— Por que está me dizendo tudo isso? — Notei sua impaciência ao recolher o lixo de seu lanche, preparando-se para deixar o restaurante que sempre almoçava após o trabalho.
— Porque não suporto vê-la sofrer, não suporto povoar sua mente sem poder estar com ela, sem poder abraçá-la. Quero ver aquele sorriso que eu tanto amo exporto, como o Sol. Por isso vim aqui pra dizer que torço muito por você. Por vocês. Você é maravilhosa, gosta dela de verdade, merece reciprocidade.
"Sofri um infarto fulminante há dois anos e ela ainda não superou a minha partida.
Cuide dela!"
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.