Correspondi àquele beijo por um breve momento, até que Nicole se deu conta do que havia feito e se afastou de olhos arregalados.
— Desculpa, pelo amor de Deus! — pediu parecendo assustada. — Por favor, me perdoa. Eu não devia ter feito isso. — Levantou as duas mãos como se fosse fazer algo, mas saiu quase correndo.
Fiquei onde estava, parada, em choque. Depois de uns segundos me recuperando do episódio estranho que acabara de acontecer, coloquei o copo na pia e saí da cozinha. Fui ao quarto de Kelly e não encontrei Nicole por lá, verifiquei os acessos e me preparei para deixá-la em decúbito lateral.
Enquanto cuidava daquela mulher pensava na esposa dela. Estava me sentindo um lixo por ter correspondido àquele beijo. O desespero da Nicole mostrou que ela se arrependeu. E eu estava experimentando um misto de sensações, pois ora havia gostado do beijo e ora achava que era uma grande traição com a Kelly.
Aquela era a primeira vez em que eu cuidava de alguém e praticamente morava na casa da pessoa assim. Acho que essa proximidade fez com que ela confundisse as coisas. E depois, devia estar carente. Sei que o meu jeito solícito e carinhoso ajudou, mas o mix de sentimentos ainda me incomodava.
No meu intervalo, fui para o jardim e me encolhi no arbusto ouvindo música. Nicole sumiu e até aquilo me incomodou. Temi perder o emprego, temi ter que lidar com um clima estranho. Eu adorava aquela família, já havia me acostumado com a rotina.
Falei com uma amiga por mensagem e contei o que tinha havido e ela me encheu de perguntas sobre tudo o que houve e, principalmente, como eu estava, se ia ficar com a patroa ou não. Liguei para ela imediatamente.
— Você só pode ser louca, né, Dan? Não ouviu o que eu disse? Ela quase ficou louca quando se deu conta do que aconteceu. Eu vou continuar o meu trabalho normalmente, não quero perder esse emprego. Ela é linda, mas é casada e se arrependeu de ter me beijado. — despejei um tanto nervosa.
— Se ela te demitir você denuncia por assédio e arranca um bom dinheiro dela.
— Ah, Dan, pelo amor de Deus. O que você anda fumando, hein? Ficou doida de vez. — Achei aquilo um absurdo e ouvi a risada da minha amiga.
Olhei o relógio e estava na hora de voltar. Me despedi de Dan e desliguei.
Entrei na casa e a vi silenciosa. Hugo já estava dormindo. Me aproximei do quarto de Kelly devagar enquanto verificava o que precisava fazer a seguir e ouvi a voz de Nicole.
— Foi inevitável, amor. Eu não queria ter feito isso sem você saber, nosso combinado foi sempre jogar aberto.
Achei aquilo estranho e cheguei à porta, Nicole massageava a mão direita de Kelly com um hidratante especial. Aquele ato era obrigatório para ativar a circulação sanguínea da paciente e eu o faria a seguir, mas vi que aquela tarefa já não precisava mais de atenção naquela noite. Fiquei ali por pouco tempo, pois ela se virou e me viu.
— Oi — falou com a voz rouca e voltou o olhar para a mão da esposa. — Precisamos conversar, né?
Eu não disse nada, apenas entrei no cômodo e fui até uma bancada, local que era usado como apoio. Abri uma gaveta, peguei luvas, preparei um medicamento em uma seringa e encarei Nicole que me olhava.
— Não quero que aquela minha atitude impensada mude as coisas entre nós — falou, fechando o frasco de hidratante.
— Tudo bem, Nicole. Eu entendo completamente. Se quiser que eu mude em algo, eu mudo. Devo ter...
— Não, Manu. Por favor, não se culpe. Você é maravilhosa, não precisa mudar nada. Eu que me deixei levar pela carência.
— Tudo bem, Nicole. Fica tranquila. Vamos fingir que não aconteceu, tá bom?
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Soneto
Short StoryColetânea de contos LGBTQ+ Esta obra é o primeiro volume do projeto Soneto misturando música, drama, comédia, Sci-fi em romances clichês. Todas as cores, todas as letras e vários amores.