Capítulo 14

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[Lucca Zarmora]

Sabe quando sua vida inteira passa diante dos seus olhos sem que você possa fazer nada além de assistir? Eu sempre achei que isso acontecesse quando estamos doentes ou prestes a morrer, mas eu me dei conta que não havia uma regra pra isso e me via exatamente dessa forma por alguma razão.

Aliás, a beira da morte era um bom sentimento para definir como eu me sentia desde o momento em que encerrei a minha ligação com a Gina há mais ou menos duas horas. Como se cada aspecto e momentos da minha vida voltassem na minha mente com a terrível e inevitável pergunta: "Você aproveitou o suficiente?". E, sinceramente, eu não conseguia responder.
Ainda sentado no sofá da sala pelo que parecia ser horas, eu revirava os sites de fofocas e redes sociais – mesmo tendo sido aconselhado a não fazer isso – em busca de algo novo, mas tudo o que via eram os mesmos textos e fotos, então afastei o celular para longe mais uma vez.

—Parece até que eu estava sentindo que ia acontecer alguma coisa.

Minha mãe disse em estado de preocupação, andando pela sala e parando para arrumar cada porta retrato ou vaso de flores que ela julgava estar fora de lugar.

—A gente que é mãe sempre sabe.

Aparecida chegou na sala com uma bandeja com água quente e saquinhos de chá pra gente, ela costumava dizer que não havia nada que não se curava com uma boa xícara de chá, mas nesse momento eu estava querendo mesmo era uma dose de uísque.

—Nada do Murilo ainda?

Neguei com a cabeça.

—Mas da última vez que que falei com ele, eles tinham parado para abastecer. Devem estar chegando.

Respondi alheio, pegando o celular mais uma vez e reiniciando o processo de vasculhar a internet.

Não era tão ruim assim, era?

Busquei as fotos novamente e imediatamente minha pergunta foi respondida, todas elas eram de momentos bem íntimos que dificilmente teria outra explicação, não sem ao menos que tentassem muito, então sim, era bem ruim.

Haviam duas fotos de nós dois sentados na frente do iate conversando de maneira bem próxima, com uma perna minha sobre a dele, mais uma quando ficamos de mãos dadas por alguma razão que não me lembro, três do momento em que subimos ao iate depois do mergulho – onde eu havia decidido que a melhor forma de me secar era nu – e o Murilo me olhava de um modo bem sugestivo e mais uma porção de outras fotos em sequência do Murilo me trazendo o bolo de aniversário, a minha cara de surpresa ao receber meu presente e finalmente um última de nós dois apreciando o pôr-do-sol ao fim do dia abraçados, mas essa não dava para ver os rostos e podia ser qualquer casal. Poderia ser, mas não era. E era isso que os textos logo em seguida apontavam.

"Craque o Barcelona é visto em momento íntimo com estrela do Real Madrid"

"Ídolos de dois grandes clubes são flagrados em um delicioso e íntimo passeio de barco. Amizade ou algo a mais?"

"Bola fora! Lucca Zarmora e Murilo Lacerda, atacantes do Real Madrid e Barcelona, são vistos juntos depois de anos negando amizade. Relembre a história dos dois."

"Comemorando o aniversário, craque o Real Madrid é clicado nu com seu colega de seleção e também jogador do Barcelona"

Todas as manchetes sugeriam algo a mais, algumas sendo até bem explícitas pegando nossas histórias de vida e traçando uma trajetória, que eu deveria assumir, passava bem perto da verdadeira. Os textos eram ainda mais sugestivos, lembrando a todo momento que nossas famílias eram próximas, que tivemos nossa infância compartilhada, inclusive frequentando a mesma escolinha de futebol e terminando por dar ênfase no fato de que nunca tínhamos aparecido com uma namorada publicamente. E eu me perguntava o que levava um jornalista estudar anos pra se sujeitar esse tipo de matéria.

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