Capítulo 26

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[Lucca Zarmora]

Sinos castigavam minha cabeça sem dó nem piedade, e a cada badalada, uma dor aguda cortava meu cérebro em fatias bem pequenininhas. Meu estômago estava tão embrulhado que qualquer movimento ameaçava voltar o almoço que eu comi lá em 2003, por isso, mesmo acordado, eu permaneci imóvel.

—Seu bêbado infeliz.

Uma voz disse vindo de cima e eu supus que estava sendo velado por ela.

—Eu não estava acordada... ele estava tão bêbado assim?

Falou uma segunda voz, parecia a voz da minha mãe... ou de Deus.

—Bêbado como um gambá.

Então era isso mesmo. Eu bebi. Em algum momento do dia anterior eu cansei de sentir pena de mim mesmo e decidi que deveria sair, espairecer e tentar me divertir. Vesti minha melhor roupa, que eu ainda podia sentir no corpo, procurei no celular pelas melhores baladas, já que eu nunca fui de sair, e parti convicto de que seria a melhor noite da minha vida. Só que... ao longo da noite essa convicção acabou se tornando uma péssima decisão, e agora estava custando caro ao meu corpo não acostumado com aquilo.
Tentei me lembrar de mais coisas, mas flashes iam e vinham na minha memória e a má iluminação do ambiente onde eu provavelmente estava, não me ajudada muito nesse quesito. Eu bebi? Sim, podemos constatar que muito. Eu dancei? Deus queira que não. Eu beijei alguém? Não, mas me lembro de tentar elogiar alguém falando que essa pessoa tinha dentinhos de coelho do jeito que eu gostava e... não deu muito certo, óbvio. Só com uma pessoa no mundo daria.

—Você acha que ele levanta hoje?

—Dificilmente.

Eu queria poder falar para essas vozes pararem de falar tão alto na minha cabeça, mas até mesmo minha voz ameaçava doer minha cabeça. Eu nunca me senti assim e definitivamente não beberia de novo.

—Morreu tão jovem.

Morreu? Certamente eu não tinha morrido, tinha?

—Estou vivo. – Abri um olho para testar e então abri outro. – Vivo!

A luz cegou meus olhos e levou outra pontada dolorosa ao meu cérebro, estremeci e me arrependi de ter feito esse movimento na intenção de tranquilizá-los.

—Se tivesse morto eu poderia ficar com sua herança.

—Não conta com isso. Nesse ponto ele deve ter só uns dois reais na conta, fiquei sabendo que ele estava distribuindo moët para toda população espanhola.

Eu fiz isso, não fiz? É bem a minha cara. Mas espera... O que o Isaac estava fazendo aqui? E pior, o que ele estava fazendo contando para Micaela meus feitos da noite como se estivesse junto comigo? Algo de errado não estava certo. Gemi e fechei meus olhos novamente, esperando que tudo aquilo fosse um sonho.

—Ai, não tenho paciência. – Micaela bufou. – Tem água e dipirona na mesinha, cuida aí do seu bêbado de estimação.

Falando isso, escutei seus passos se afastarem cada vez mais. Abri um olho para ter certeza.

—Ela já foi?

—Sim.

Lidar com a Micaela e o Isaac ao mesmo tempo, e tendo a leve impressão que os dois ficariam juntos contra mim, era demais. Eu preferia um de cada vez, nesse caso, o Isaac que não tinha nenhuma jurisdição na família Zarmora-Lacerda.

—O que aconteceu?

—Você não lembra? – Questionou se sentando na cama ao meu lado.

—Bem pouco.

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