Capítulo 19 - Lembranças

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[Lucca Zarmora]

—O que aconteceu?

Murilo veio correndo em minha direção assim que o árbitro apitou o fim do jogo.

—Como assim?

—Você praticamente deu aquele gol pra mim.

—Claro que não, de onde você tirou isso? Você só estava melhor posicionado.

Dei de ombros culpado pela mentira, nós não tínhamos o costume de mentir um para o outro, e eu esperava que ele não conseguisse me descobrir assim tão facilmente.

—Lucca...

—Tá tudo bem, Mu.

Garanti, enquanto atravessava as quatro linhas e ia em direção ao banco pegar minhas coisas e a garrafinha de água. Ele não me acompanhou, mas eu ainda sentia seus olhos em mim e sua pergunta pairando no ar.

Vi o treinador vindo na minha direção, parecendo soltar fogo pelas orelhas e eu sabia que com ele eu precisaria me explicar.

—Lucca, o que foi que você fez? – Diante do meu silêncio ele continuou. – Você esqueceu do que conversamos? Você tem ideia da oportunidade que você jogou fora? Tudo que eu investi em você, garoto.

Eu não me arrependia de ter feito o que fiz, se um de nós dois merecia mais, esse alguém era o Murilo. Ele tinha família grande e irmãos pequenos, já que somente um de nós poderia ser contratado, era justo que fosse ele.

—Desculpa treinador.

—Torce para seus lançamentos perfeitos terem chamado atenção. Nem sempre eles estão em busca de gol.

Ele disse um pouco menos nervoso e, naquele momento, era tudo que eu podia fazer. Torcer.

[...]

—Você não precisa ficar me olhando, se tá me achando bonito é só me beijar.

Já de banhos tomados e a caminho de casa depois do final das regionais, eu só queria esquecer o assunto futebol por alguns dias até os olheiros começarem a ligar para dar seu veredito. Mas ao que parecia não iria ser tão fácil assim, já que eu levava pra casa, na minha bagagem, um mocinho que tinha perguntas a fazer.

—Você fez aquilo por mim, não foi?

—Eu faria qualquer coisa por você. Mas do que estamos falando exatamente?

—Lucca...

—Murilo! – Aproveitei que o ônibus estava parcialmente vazio, e que estávamos sentados bem no fundo, para lhe roubar um beijo. Ele sorriu e se rendeu, como vinha fazendo desde a primeira vez, e começou a me retribuir. Passei meus braços pelo seu pescoço e o trouxe para mim, imediatamente sendo recebido pelo seu cheiro. O cheiro era do sabonete barato do nosso alojamento, mas nele a fragrância se destacava e era digna de ser comparada a um perfume francês. – Quando a gente chegar em casa quero te mostrar uma coisa debaixo do lençol.

Eu estava subindo pelas paredes desde que ele implantou a regra de não termos sexo antes das partidas de futebol, então, ter chegado as finais da regional foi um verdadeiro desafio pra mim, dentro e fora dos campos. Que bom que agora eu poderia aproveitar.

—Você tá tentando me distrair. – Acusou e eu fui pego no pulo.

—Tá funcionando?

Desci uma das minhas mãos para a sua coxa definida, mais definida do que os músculos de qualquer garoto na nossa idade e a apertei forte.

—Você é impossível.

Nos dias que se seguiram não tivemos nenhuma resposta, seja ela positiva ou até mesmo negativa, e eu não sabia se isso era bom ou ruim. Por anos esperamos por esse momento e, quando ele finalmente chegou, ter a espera e a falta de resposta como companhia era de enlouquecer. Receber uma resposta positiva significaria que nossos sonhos estariam se realizando, que nós enfim poderíamos mudar de vida, mudar a vida dos que estavam próximos de nós e que viveríamos do que realmente amávamos. Do outro lado, receber um resposta negativa daria fim a tudo isso, mas pelo menos poderíamos seguir em frente com a sensação de dever cumprido, com a consciência de que pelo menos tentamos.

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