[Lucca Zarmora]
Cumprimos nossa agenda de últimos jogos da rodada antes do tão sonhado recesso de fim de ano e depois enfim pudemos descansar um pouco. Era uma mini férias por assim dizer e, embora eu amasse minha rotina, era bom poder dar um tempo, descansar com a família e não pensar em jogos, pontuação e treinos por um tempo.
Esse ano iríamos para Navacerrada, numa casa que tínhamos perto das montanhas rochosas na província de Madrid, que abrigava tranquilamente todos nós, e estávamos com esperança ver a neve, talvez até esquiar se conseguíssemos ser melhores que da outra vez. Meu último jogo aconteceu dia 22 de dezembro, com um empate sem gols fora de casa, embora nossa equipe claramente tenha jogado muito melhor, e no mesmo dia eu estava voltando para casa pra pegar minha mala e esperar pelo Murilo que só voltaria no dia seguinte.
Se eu dissesse que nós nos acostumamos com a rotina de nos vermos pouco, passarmos uma semana sem toque, nos limitando apenas a troca de mensagens falando da saudade que sentíamos sem poder fazer nada a respeito e aturar a mídia inventando um namoro novo pra cada um de nós toda semana, eu estaria mentindo. Às vezes, mesmo com a estrutura que tínhamos, a situação fugia do nosso controle e nós acabávamos ligando um para o outro em meio a um surto, chorando e dizendo que ia abandonar tudo porque não aguenta mais – na maioria das vezes isso partia de mim. Nessas vezes ele sempre dava um jeito de fugir da concentração e vir me ver escondido. Manter um relacionamento as escondidas, tendo que muitas vezes negar ou fingir coisas, podia ser extremamente sufocante, manter um relacionamento com outro astro do futebol era mil vezes mais.
Mas, mesmo sob todas as circunstancias, eu não conseguia pensar em sequer querer outra história pra mim. O Murilo era tudo que eu precisava e queria e nossa convivência não podia ser mais perfeita. Se eu fosse classificar, essa era a melhor coisa de se conhecer uma pessoa, no caso a pessoa com que você se relaciona, desde muito novo. Havia algo além da cumplicidade e cuidado mútuo que fazia com que a nossa conexão fosse muito mais forte, quase que espiritual e eu acreditava nisso. Nós sempre nos entendíamos sem precisar de muitas palavras, nos dávamos bem se precisar de muito esforço e nos apoiávamos sem precisar de plateia.
E era isso que fazia nossos momentos tão únicos.
A véspera de Natal ocorreu de forma tranquila, como é suposto a ser uma véspera, colocamos nossos casacos - que eu detesto admitir, mas que combinavam uns com os outros - decoramos a árvore de Natal juntos com grandes bolas douradas e colocamos uma estrela no topo. Todos fomos obrigados a ir para a cozinha ajudar na ceia, mas, em menos de meia hora, fomos colocados pra fora por nossas mães, sob ameaça de colheres de pau apontadas na nossa direção, porque estávamos comendo tudo antes da hora.
Depois da ceia fizemos algumas bebidas quentes por causa do frio e acendemos a lareira enquanto trocávamos presentes para celebrar. Ganhei alguns pares de meias personalizadas do Murilo e dei a ele um airpods igualzinho ao que ele havia perdido na semana passada, ele amou e meus pés sempre gelados agradeceram, mas a gente sabia que a nossa verdadeira troca de presente seria longe da nossa família. Por pura preguiça, dei a todos os outros envelopes com cheques em branco e pedi que comprassem o que quisessem e no valor que quisessem em meu nome. E sinceramente, eles não tinham nem do que reclamar. No almoço do outro dia eu, me aproveitando do recesso, eu enchi a cara de rabanada e sobras da noite anterior, enquanto ria das piadas ruins do padrasto do Murilo e ouvia as discussões da Micaela com o Samuquinha por causa do controle da televisão sem me importar. Pelo amor de Deus, existiam pelo menos mais oito televisores naquela casa!
Já no Ano Novo as coisas foram um pouco diferentes, a Micaela achou que era um bom momento pra se aproveitar da sua maioridade e decidiu que queria passar a véspera com algumas amigas em uma boate em Barcelona e, depois de muita confusão e de deixar sua mãe em surto, ela conseguiu sua liberdade.
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Jogo Perigoso
RomanceO meio futebolístico é machista, muitas vezes racista e frequentemente homofóbico. Anualmente são feitas diversas campanhas sobre conscientização com uma mensagem forte e bem montada pra atrair os olhares da mídia, mas aquilo tudo é uma grande menti...