Capítulo 4

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[Lucca Zarmora]

Haviam 37 lâmpadas no grande lustre do teto, outras 12 em pequenos bocais dentro dos ventiladores pendurados e 23 degraus de escada até onde a minha vista alcançava. Eu estava entediado, é!

Nenhuma novidade. Noites anteriores a um jogo eram sempre um saco, nada pra fazer, horários e rotinas restritos pelo clube, longe de casa e sem contar a apreensão com o dia seguinte. Eu sempre acabava me pegando daquele jeito, não importava quantos jogos eu fazia por mês, por temporada, ou se eram importantes ou não. Por isso mesmo, a fim de espairecer, eu saía do quarto e ia dar uma caminhada pelo hotel, mesmo que isso fosse contra as regras.

Bom, ir contra as regras era algo que eu já estava acostumado.

—Semana que vem no mesmo horário? – Kaleb perguntou, fechando a mochila após me entregar um pacote de bolacha recheada.

—Eu não sei se a gente vai se hospedar no mesmo hotel, mas sim. – Abri e enfiei a primeira bolacha na boca, sem nem ao mesmo me importar em oferecer e fechando os olhos com o sabor gostoso na minha boca. – Muito boa essa de doce de leite, traz mais.

Continuei mastigando satisfeito e tirei do bolso uma nota que entreguei ao Kaleb para garantir o sigilo e o agradecer por sempre lembrar de mim. Kaleb era um funcionário do hotel que fazia uns pequenos serviços para os jogadores que se hospedavam lá, serviços esses digamos que proibidos quando você tá na concentração e na véspera de um jogo. É claro que eu sabia que ele trazia muito mais que bolacha recheada - do tipo álcool, maconha e outras drogas - mas isso já não era problema meu. Eu só ficava nos doces mesmo.

Voltei para o quarto sorrateiramente após comer a última bolacha do pacote, agradecendo mais uma vez por não ter sido pego e depois de passar o cartão na porta, coloquei só a cabeça para dentro a fim ver se estava tudo tranquilo antes de entrar. Quando se divide um quarto com alguém, você aprende uma ou duas coisas.

—Se descobrirem que você está usando a internet mesmo depois do horário de recolher vão te dar uma advertência.

Isaac pulou com o susto ao ouvir minha voz entrando no quatro e jogou suas pernas pra cima, levando o computador junto.

—Porra. – Xingou com um olhar fulminante. – Me fala onde você estava que eu decido se você tem moral para me falar alguma coisa. – Acusou certeiro.

—No saguão comendo bolacha contrabandeada.

—Pois é. – Fez uma cara de deboche, revirando os olhos pra mim e se sentando na beirada da cama para guardar seu computador na mesinha ao lado. – Eu estava assistindo o jogo do Barcelona. Acabou agora.

Claro que eu sabia que eles estavam jogando naquele momento, além de ser um jogador e acompanhar a tabela de todos os outros jogos, eu tinha a própria estrela do outro time dormindo comigo e dizendo antes de me ver sair que faria um gol pra mim. Mandei enfiar o gol e as chuteiras naquele lugar antes de sair batendo a porta sem nem me despedir.

Mas eu sempre evitava assistir aos jogos quando estava acompanhando de outras pessoas porque eu simplesmente não conseguia me segurar e sempre acabava torcendo além da conta, especialmente quando via a bola nos pés do meu jogador preferido. E havia uma regra: torcer para um jogador específico e suas conquistas, sim, sempre. Torcer para o time rival, jamais.

—Ganharam?

—Dois a zero. Um gol de falta do Murilo. Foi incrível.

De quem mais seria? E de que outro jeito seria? Aquele bostinha desperdiçava tudo, menos oportunidades de fazer gol de falta.

Jogo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora