[Lucca Zarmora]
Em 25 anos eu nunca me imaginei solteiro, quer dizer, eu estive solteiro por um breve período de tempo entre comer terra na infância e o aparecimento do Murilo, mas eu costumo não contar esse tempo. Então, sim, eu podia dizer que pela primeira vez eu me via solteiro, e, conscientemente no controle do que ingeria, vejam só, tudo ao mesmo tempo.
Isso trazia novas perspectivas...Joguei os pés para fora da cama com determinação e me levantei do mesmo modo, cheio de esperança e ávido a explorar essa nova identidade. Mas não durou muito, foi só o tempo de ir até o banheiro, escovar os dentes e me encarar no espelho e perceber que eu não era nada, não sabia nada e, principalmente, não queria nada que não fosse meu antigo eu. Minha antiga vida. Ou pelo menos a vida que eu tinha ontem a noite, pois eu descobri que estava ruim, mas ainda não estava péssimo.
Mas me recompus, e munido de um sorriso forçado, desci as escadas para encontrar minha família no andar de baixo tomando o café da manhã.
—Bom dia.
Ninguém pareceu me ouvir, todos distraídos nos próprios afazeres. A Micaela enchia uma torrada com pasta de amendoim e colocava uma outra torrada por cima – que eu logo roubaria de suas mãos – minha mãe trazia um bule com café em uma mão e bolo na outra, cantando algo que eu não conhecia e a Aparecida brigava com o filho mais novo. Me aproximei e sentei na minha cadeira costumeira, observando e ouvindo sem me envolver.
—... mas mãe, todo mundo que eu conheço tem novas skins pro jogo de hoje. – Argumentou Samuca, dando continuidade a uma discussão provavelmente anterior a minha chegada. Garoto ingênuo, eu sabia o que viria antes mesmo da Aparecida abrir a boca.
—Mas você não é todo mundo.
Soltei uma risadinha fina com o ar saindo pelo nariz, enquanto tentava disfarçar, mas não fui bem sucedido. Todos me olharam e se deram conta, pela primeira vez, da minha presença.
—Oi filho. – Minha mãe falou, levantando os olhos pra mim e sorrindo. Vi ela se sentar do lado da Aparecida, que também sorriu para mim.
—Eai margarida, acordou cedo.
—É que tive um pesadelo, sonhei com você.
Respondi a Micaela, fazendo uma careta pra ela e aproveitei do momento para esgueirar minha mão para pegar seu sanduíche de torrada, mas fui interceptado e levei um tapa na mão no último segundo.
—Cadela.
—Você teria sorte se sonhasse comigo, seus sonhos devem ser tão entediantes com redes, bola e gol.
—Eu não sonho com isso direto.
—Vocês poderiam parar de brigar e começarem a comer, por favor. – Minha mãe interveio.
—A gente não tá...
—A gente não...
Eu e a Mika falamos ao mesmo tempo, mas fomos interrompidos:
—Mas vão começar daqui a pouco.
Colei meus olhos no prato vazio a minha frente e parei imediatamente com as provocações, percebendo que a Micaela também tinha optado por essa mesma tática.
—O que são skins?
Perguntei voltando a antiga discussão, um território mais seguro, e olhei para o Samuel em busca de respostas.
—De jogo. – Quando viu que eu ainda não fazia ideia do que ele estava falando, pegou o celular do colo, desbloqueou e me mostrou a tela com seus personagens em diversos trajes diferentes.
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Jogo Perigoso
RomanceO meio futebolístico é machista, muitas vezes racista e frequentemente homofóbico. Anualmente são feitas diversas campanhas sobre conscientização com uma mensagem forte e bem montada pra atrair os olhares da mídia, mas aquilo tudo é uma grande menti...