Silent se olhou novamente no espelho que Candid tinha emprestado. Um pedaço do cabelo estava cortado e os pelos da cara estavam como eles tinham dito pra deixar. Mas Silent preferia seu rosto mais peludo. Assustava todos os que invadiam o território dele. Aí ele rosnava e pronto. Silent ficava só.
Desde a liberdade, Silent estava só. E no começo, Silent não ligava. Estar só era melhor que estar com dor. Estar só era melhor que as surras. Que os ossos quebrados, para emendar sozinhos.
Mas aí o tempo foi passando e o silêncio e estar só começou a doer também.
Uma dor que Silent não sabia fazer passar. Até que o "olhos de água" foi na cabana de Silent. Ele falou pouco, diferente dos que iam visitar Silent de vez em quando.
Ele disse:
"Um leãozinho vai te visitar. Depois outros virão, todos filhotes, e você não pode fazer mal a eles. Quando vierem sua dor vai passar."
Só isso. E Silent esperou, mesmo sem nunca ter visto um filhote de leão. E um dia, andando pelo território, ele viu um reflexo vermelho num arbusto. Se aproximou e era um macho pequenino. Ele nunca tinha visto um macho tão pequeno. Nem Dusky era tão pequeno. E o macho pequeno sorriu para ele. E Silent também sorriu e entendeu. Ele era o leãozinho que o "olhos de água" tinha falado. Tinha cabelos volumosos e vermelhos e os olhos eram da cor da luz do sol. E ele cheirava bem. Silent nunca tinha sentido esse cheiro.
O pequenino franziu o pequeno nariz e disse:
"Isso é talco. Já sou crescido, mas minha mãe passa em mim. Diz que eu cresci rápido demais."
"Mãe." Silent não sabia o que era uma mãe. Parecia uma pessoa bem burra, se achava aquele leãozinho pequeno crescido.
"Mãe?" Silent repetiu. Ele era pequeno, mas era esperto, pois entendeu e disse:
" Mãe é uma mulher muito bonita que cuida da gente, quando a gente é bem pequeno. Depois a gente cresce e ela fica meio chata, não deixa a gente correr, nem escalar, nem comer o que a gente gosta toda hora... Essas coisas. E eu amo ela muito, mesmo as vezes ela sendo chata."
Silent pensou que gostaria de uma mãe. Ele não corria sempre, nem gostava muito de escalar.
"Como ter mãe?" Ele não falava a tanto tempo! Ele tinha dificuldade de abrir a boca e fazer as palavras saírem.
O leãozinho ficou com o olhar de sol parado, devia estar pensando em como Silent conseguiria uma mãe.
"Você tem que sair da barriga dela. Comigo e com meus irmãos foi assim. E tem que ter o pai também. Para os nadadores. Pelo menos é assim que meu pai fala. Por causa dos nadadores dele, eu e meus sete irmãos somos iguais a ele. Ele é forte e grande como você."
Silent ficou confuso. Ele não podia ter uma mãe, então. Porém, ele se lembrava de ter visto um macho grande e forte quase do tamanho dele no dia da liberdade. Ele tinha cabelos vermelhos iguais aos do leãozinho.
"Você tem um nome?" o leãozinho tinha perguntado.
Silent fez que sim com a cabeça e disse:
"Silent."
Ele sorriu e Silent o imitou.
"Sou Simple. Tenho que ir. Eu senti o seu cheiro da minha casa. Estou expandindo o meu faro, como meu tio V. me ensinou. Se eu demorar minha mãe fica preocupada. Mas posso voltar, se você quiser. E trarei meus irmãos e Sarah."
Era o que o "olhos de água" tinha falado. E a dor passou.
Depois disso eles vieram. Sarah, uma fêmea bem pequena, e os outros dois que eram iguais ao leãozinho. Silent aprendeu seus nomes e a diferenciá-los. O que falava muito era chamado de Honest. O que era silencioso como Silent, era Candid.
E os dias de Silent passaram de parados e doloridos, para alegres e agitados. Depois mais um começou a vir também. Esse era menor ainda e tinha os cabelos negros como a noite.
Silent nunca tinha visto um filhote como aquele, com um sorriso tao bonito que fazia Silent ficar feliz toda vez que ele sorria.
O nome do filhote era John. Um nome humano, eles disseram. Mas John era como eles. Silent já tinha visto o pai de John. Era um macho bondoso que ajudou Leo a cuidar de Silent, uma vez. John trouxe com ele desenhos de todos, e fez um de Silent. Era muito bom desenhar. John disse que o vovô ensinaria Silent, da mesma forma que ensinou a todos eles. Silent também queria aprender a desenhar.
E eles também levaram os filhotes mais novinhos, irmãos de John. Brave e Gift. Silent ficou encantado com o tamanho e beleza deles. Gift já tinha presas! Mas Harley e a humana dele apareceram e agora, Silent tinha que deixar sua cabana e ir morar em outra cabana, se quisesse caçar, correr, desenhar e brincar com os filhotes. E ele cortou um pedaço do cabelo e tirou a maioria dos pelos da cara que conseguiu. E outros machos vieram. Ele saiu da cabana com uma sacola onde tinha colocado os desenhos de John, umas roupas, e o urso falso que Sarah tinha lhe dado. E era só. Silent não tinha mais nada, nem precisava.
Perto da cabana estavam cinco machos. O pai de John, Léo, o pai dos leãozinhos, um macho de cabelos listrados de amarelo e olhos bem azuis, e um que Silent se lembrava ter visto no dia da liberdade. Ele era alto e forte com cabelos bem negros e olhos azuis bem escuros. Justice. Esse era o nome. Simple disse que ele daria a permissão. Silent baixou a cabeça. Só queria não ficar só de novo. Não iria rosnar, nem bater ou matar.
" Silent, eu sou justice, lembra de mim?" Silent disse que sim com a cabeça." Leo, você conhece. Este é Brass, pai de John, Gift e Brave e Sarah. Este é Valiant, pai de Simple, Candid e Honest. E o último é Slade, diretor da Reserva. Estamos aqui, porque os filhotes disseram que você quer morar na área familiar da Reserva. Você consegue obedecer as regras? Conhece-as?"
Silent balançou afirmativamente a cabeça, mas sabia que tinha que falar:
" Não machucar. Não lutar. Respeitar casa . Aceitar não das fêmeas. Não tocar fêmeas. Pedir permissão. Respeitar mãe e pai dos filhotes. Tomar banho todo dia. Vestir roupa completa todo dia."
Ele tinha repassado as regras com os filhotes o dia anterior. Esperava ter falado tudo certo.
O que chamava-se Slade diretor da Reserva sorriu:
"Se ele obedecer será mais fácil conviver com ele do que com você, Brass."
"Bom, eu tenho que estar em Homeland ainda hoje. Vamos."
Justice falou.
E entraram em dois jipes. Silent quase pediu para ir correndo, mas entrou num deles com o pai de John, Brass, dirigindo. Seu coração estava acelerado. Silent brincaria com os filhotes todos os dias. Sarah tinha dito que talvez o tio V. o adotasse, igual Brass a adotou. Mas silent não queria um pai. Ele era muito grande. Os pais eram maiores que os filhos. Ninguém era maior que Silent.
Silent obedeceria as regras e talvez conseguisse uma mãe.
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Harley
FanfictionTudo o que Harley queria era continuar sua vida errante em paz, voando pelas estradas em sua moto. Mas bastou um par de tímidos olhos verdes para fazê-lo descobrir que mesmo enraizado num único lugar, ele poderia desbravar as estrelas. Quarta histór...