Capítulo 22

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Penso em tudo isso, de uma maneira tão hipnótica que nem percebo que já estava perto de anoitecer.

O céu começa a ficar vermelho e rosa, misturado ao azul. É lindo. Já consigo ver a lua surgir. É uma das minhas paisagens favoritas. O sol se pondo.

A luz do pôr-do-sol reflete no relógio da cidade e faz aparecer um brilho lindo e multicolorido. E eu percebo que o pôr-do-sol, mostra que os fins também podem ser belos.

Podem ser enigmáticos. Podem nos prender por instantes. E ficam gravados em nossa memória. Por que todos são diferentes.

Isso me faz ver que tenho que esclarecer as coisas de um modo bonito e leve.

Volto para casa e percebo que estou sozinha.

E me dou conta que é assim que eu quero ficar. Pelo menos, agora. Preciso achar um jeito menos doloroso de contar quem está no meu coração. Embora eu ache que já esteja mais do que explícito.

Preciso de ajuda com isso. Vou conversar com meu pai sobre isso. Ele vai saber me orientar. Minha mãe também saberia, mas ela é meio bruta quando vai dizer as coisas.

Nessas horas, é sempre bom ter alguém pra se aconselhar e pedir ajuda.

Mando mensagem pra ele: " Pai, não sei onde o senhor está, mas assim que chegar em casa vamos para o QS. Beijos"

Uma das coisas que eu mais gosto da relação com o meu pai, é que eu sinto que ainda posso me sentir criança com ele sabe? Tem coisas da minha infância que nós ainda fazemos juntos.

O QS mesmo, é a nossa sigla para quarto secreto. Um dos benefícios de ser ter uma casa com era princescana é ter um local secreto. Meu pai usava o QS antes de eu nascer como espaço pra ficar depois de brigar com minha mãe.

Ele me contou que teve essa ideia logo depois que se mudaram. Toda vez que eles brigavam sério, minha mãe expulsava ele de casa com xingamentos e deixava ele fora de casa durante uma semana pra ela esfriar a cabeça.

Aí durante as viagens dela em busca de obras e cosméticos que pessoas da monarquia usavam, ele abriu uma espécie de sótão no lado leste e ao fundo da casa. Ele conseguiu junto com Mário, seu fiel escudeiro tipo Sancho Pança, abrir um tobogã de ferro que leva ele da cozinha direto pra o quarto.

Mas, como meu pai é engenhoso, não bastava ter uma passagem apenas na cozinha. Tem uma no meu quarto também.

Afasto a minha escravaninha, e vejo a broca na parede que se esconde atrás do espelho. Pego um grampo de cabelo e puxo o botãozinho que tem dentro. Aperto e abro a portinha que já me é familiar. Após entrar puxo novamente a escrivaninha para esconder a passagem.

Desço tão rápido que me assusto. Não me lembrava que o cano me levava até o QS era tão rápido.

Chego e vejo tudo quase intocado: a cama com os velhos lençóis brancos, que agora já começam a amarelar, vejo os esboços do meu pai em cima da mesa. Vejo também as almofadas que usávamos quando queríamos relaxar, vejo os livros que eu passava horas e horas lendo e relendo.

Ver tudo isso me faz tão bem. Me lembra uma época feliz. Vinha pra cá toda vez que me sentia sozinha.

Quando meu pai me trouxe aqui pela primeira vez, eu não via beleza em nada. Não via utilidade ficar escondida só por que minha mãe brigava comigo, ou não me entendia.

Mas, agora, eu vejo que esse quarto secreto que salvou a minha infância. Que salvou a minha vida quando tudo dava errado. Foi a minha válvula de escape.

Me lembro ainda a última vez que vim aqui. Eu tinha tido a pior das brigas com Sam, a que determinou nosso término, e quando cheguei em casa tinha brigado com minha mãe por ela ter dado razão a ele.

Foi nesse lugar que eu decidi mudar de vida. Foi aqui que eu percebi que eu tinha de lutar pelo o que eu queria.
Foi aqui que decidi me tornar de vez uma jornalista.

E é aqui, que eu vou decidir e solucionar essa bola de neve de uma vez.

Passam mais de uma hora e meia e nada do meu pai. Mando outra mensagem pra ele, mas ele não visualiza. Sendo que a primeira ele viu.

Muito estranho. Meu pai não costuma ler e não responder. Principalmente, quando se trata de mim.

Será que minhas mães levaram ele pra algum lugar e ele ficou preso com elas? Só pode ter sido isso.

Vou esperar mais um pouco. Deito na cama e durmo.

Acordo com meu pai me chamando.

- Quando o senhor chegou?

- Agora pouco. Desculpe a demora. Tive que acompanhar suas mães em um brunch com uns amigos importantes.

- Ah, e porque não avisou?

- O brunch era privado e anti-tecnológico. Quando você mandou a mensagem,estava na entrada. Pediram o celular e então não consegui responder.

- Entendi.

- Mas, então, qual é o problema? Já tem muitos anos que você não desce aqui.

- Pai, preciso da ajuda do senhor.

- Diga.

- Como deixar claro os meus sentimentos sem magoar as outras pessoas envolvidas?

- Filha, não seja ingênua. Independente do que você fizer, as outras pessoas vão sair magoadas. O que você pode fazer, e a única coisa que pode fazer, é ser sincera com você e com eles. Precisa lhes dizer a verdade. Nua e crua.

- Mas, pai, não quero magoar ninguém. É tão dolorido magoar alguém. E é tão dolorido ser magoado. Por quê tem que ser assim?

- Porque a vida é assim, minha filha. Sem dor jamais saberíamos aproveitar a cada momento de felicidade. Se fôssemos felizes o tempo todo, não daríamos valor a essa felicidade. Com a dor aprendemos a valorizar cada pequeno momento feliz.

- Mas isso não faz sentido. A dor não deveria existir. Não precisamos sofrer pra em um lapso de tempo, rir.

- Eu sei que você não consegue entender a beleza do que eu te digo agora, mas um dia você vai entender. Mas, eu tenho uma pergunta a fazer.

- Pode perguntar, pai.

- Você está realmente segura do que sente? Ou você só está apressando o seu coração pra forçá-lo a lhe dar uma resposta?

- Claro que sim pai. Por que o senhor acha isso?

- Por que se soubesse mesmo, e se estivesse segura disso não estaria me enchendo de perguntas sobre como fazer as coisas.

- É que eu tenho receio. Será que estou fazendo o certo?

- Só siga seu coração. Ele sempre sabe qual é a melhor resposta e se você não sabe a resposta é por que ela não está no seu coração. Vou subir.

Essa frase do meu pai foi como um colírio para os meus olhos. Me deixou tudo tão claro, que eu só não enxergaria se eu não quisesse.

Eu sei quem eu quero e sei quem vou acabar magoando. Tenho que ser sincera comigo. Mentir para mim não adianta. E eu já sei como vou fazer isso.

Subo ao meu quarto e pego papéis e caneta e começo a escrever. Escrevo cartas para cada um. Cartas onde eu vou expressar o que eu sinto por cada um, pessoal e claro.

Escrever cada uma dessas cartas é muito significativo. Existe uma conexão muito forte por trás de cada palavra. Existe a entrega verdadeira de algo que estava tão preso no meu coração que se eu não as compartilhasse, se eu não as deixassem fluir para fora, eu simplesmente, explodiria.

E eu não quero mais explodir. E desse jeito, eu não preciso ver a decepção e a tristeza nos olhos de cada um que eu magoei.

E permito que eles tenham tempo para digerir cada uma delas. E vou pedir uma chance para poder amar e ser amado pela pessoa que meu coração elegeu para permanecer.

Espero que eu ainda tenha espaço para ocupar o coração de outra pessoa. Por que o sentimento que tenho dentro de mim é tão grande que, não cabe mais em único coração. Ele precisa ser dividido para dois.

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