Capítulo 3

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Este capítulo contém cenas de violência que podem chocar leitores sensíveis.

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Quatro anos depois.

Anahí olhava o dia nascer pela janela do seu quarto naquela manhã chuvosa. A chuva caía sobre o gramado de entrada da casa, onde um dia sonhou em transformar em um belo jardim, e ali ela sabia que logo tudo estaria no mais lindo verde, pois era a primeira chuva do verão que se iniciava, e logo tudo iria florir. Lembrou-se do tempo em que morava com o pai, e corria solta pelo jardim, quando cuidava de suas próprias flores, plantava, colhia, e era feliz num passado que parecia tão distante. Era um tempo diferente agora, ela se tornou uma mulher, e deixou de ser a menina sonhadora que fora um dia. Começara a ter suas lutas e não mais sonhos.

Virou-se para olhar para dentro do quarto e sentiu a dor cruel em seu ombro, que suspeitava ter sido deslocado mais uma vez na noite passada, pela brutalidade de seu marido. Com o tempo, ela aprendeu a lidar com a dor. Aprendeu a se curar e disfarçar seus machucados, aprendeu a suportar calada toda a violência de Thomas. Aprendeu em seu terceiro sangramento cheio de dor, quando Maria a viu caída no chão do banheiro, e com pesar, explicou-lhe que aquilo eram seus filhos, que seu esposo lhe dava, e também lhe tirava. No decorrer dos anos, os sangramentos pararam, e Anahí sabia que agora só havia o vazio dentro de si.

O tempo lhe transformou na mulher que é hoje, distante daquela menina que chegou ali naquela fazenda, cheia de sonhos e esperanças. Que tinha sempre um sorriso no rosto, e que apanhava por querer se pronunciar. Ainda era agredida, e violentada sexualmente pelo próprio marido, mas não por desobediência, pois era uma esposa exemplar, como seu marido a fez se tornar. Não falava, não o encarava, e não o rejeitava quando com força a atacava. Era agredida sem motivos aparente, conseguiu ver em certa noite, prazer nos olhos de Thomas enquanto a espancava, e soube que aquele inferno nunca acabaria, por mais cuidadosa que fosse. Com muita dor no coração se deu conta de que iria sofrer nas mãos do marido até o ultimo dia de sua vida.

Thomas sempre deixava o quarto muito cedo, eram raras as vezes em que tomavam café da manhã juntos, e Anahí agradecia por isso, pois pela manhã seu estomago estava sempre revirado. Ela então andou pela suíte vazia e foi até o banheiro, tomar seu banho para que tirasse toda a sujeira da noite passada. Ginnifer apareceu para lhe ajudar a se vestir como fazia todos os dias, e apesar de não ser mais uma pessoa tão comunicativa, gostava de ouvir as histórias da empregada, que com o tempo, se tornou uma espécie de amiga, fazendo-a lembrar da irmã, que já quase não a via.

Ginnifer: Ele queria me ver essa noite, mas eu disse que não poderia. -dizia tagarela, sorrindo enquanto penteava os cabelos de Anahí- Não posso deixar com que me veja todos os dias, pode pensar que sou uma mulher da vida!

Anahí a ouvia calada, sorrindo de canto, gostava de ouvi-la. Olhou-se no espelho da penteadeira e viu alguns hematomas roxos em seu pescoço, sua face estava levemente vermelha em um lado, e suspirou com a lembrança.

Ginnifer: Teve um dia em que achei que ele me beijaria! –continuou, concentrada nos fios sedosos da patroa- Veja só uma coisa dessas, ele se aproximou tanto de mim que senti o rosto pegar fogo.

Anahí: Pois devia o deixar lhe beijar. –falou, a encarando pelo espelho da penteadeira-

Ginnifer: O quê? –disse horrorizada- Como pode dizer uma coisa dessas? –Anahí riu novamente, vendo que ela já corava só de imaginar-

Anahí: Nunca havia beijado ninguém antes de me casar. –comentou. A voz dela era baixa, como se tornara, com o hábito de quase não usá-la mais- Na verdade nem existe beijo no meu casamento. –ela suspirou, e Ginnifer baixou o olhar. Todos sabiam o que acontecia entre os patões, e sabiam que não tinham como interferir, e então, cuidavam do estrago que ficava depois, principalmente em Anahí- E bom, você deveria experimentar, saber se é bom.

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