Capítulo 17

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Quando fui deitar naquela noite, fiquei acordada por muito tempo, tremendo debaixo do cobertor. Não conseguia parar de pensar em Reyn, no invasor do norte, no fato de que minha porta não tinha tranca. Eu queria sentir meu amuleto de novo, queria segurá-lo, mas por algum motivo não ousava tirá-lo do esconderijo.

River tentou me fazer perguntas, com delicadeza, mas eu não ia falar sobre aquilo. Minhas desculpas eram tão fracas e desconexas que, no final, ela me deixou sozinha. Pela lógica, não podia ter sido Reyn, certo? Parecia ele, e isso explicaria a familiaridade efêmera, mas contradizia completamente minha atração por ele. E ele não era tão velho assim.

Bebi meu chá de ervas, e River fez um pequeno feitiço para me ajudar a dormir, traçando runas na minha testa com os dedos frios. Deitei na cama, meio adormecida, meus dedos apertando o cachecol num movimento nervoso.

Na manhã seguinte, meus olhos se abriram um minuto antes do despertador tocar. Dei uma olhada no quarto, como se esperasse ver o invasor do norte ali, vindo de quatrocentos anos atrás e de 6.500 quilômetros de distância.

Eu tinha sufocado todas essas lembranças por tanto tempo. Agora tudo estava escapando pela rachadura na minha casca, como lava. Argh. Rastejei para fora da cama, reparando que o alvorecer começava mais tarde a cada dia. Estava frio no meu quarto — o aquecedor começava a sibilar e estalar. Vesti uma calça jeans, uma blusa de baixo, uma camiseta e uma camisa de flanela por cima de tudo, coloquei meus sapatos resistentes e desci com cautela, com medo de gritar feito uma garotinha caso visse Reyn.

— Bom-dia, Nas — disse Lorenz quando entrei pela porta da cozinha. Ele abriu os braços, segurando uma espátula em uma das mãos. — Abrace o dia! Abrace outro lindo amanhecer!

Ele começou a cantar um trecho de ópera, alguma parte de La Bohème, e sorri para ele. Brynne, de avental, riu e sacudiu um pano de prato na direção de Lorenz. Esse era o novo normal para mim, e eu tinha que dizer que dava de mil no meu antigo normal.

Meu nome estava na lista para ir buscar os ovos, então peguei a cesta do gancho ao lado da porta dos fundos e segui pela grama congelada até o galinheiro, olhando ao redor o tempo todo, como se uma horda trovejante pudesse chegar pela estrada a qualquer momento. Primeiro abri a pequena porta, e as aves começaram a sair, cacarejando. Depois abri a porta maior, do tamanho de uma pessoa, e entrei, de cabeça abaixada.

A única coisa boa de pegar ovos ao amanhecer era o calor dentro do galinheiro, o oposto do restante do mundo, que estava coberto de gelo pontiagudo e branquinho.

Reyn só tinha 267 anos, era o que Nell tinha dito. Ele não a tinha corrigido. Minha lembrança era de, sei lá, por volta do fim do século XVI. Não tinha chegado a 1600 ainda. Tinha sido em Noregr, Noruega. Naquela época, era o reino Dinamarca-Noruega. Eu sabia aqueles dialetos, mas eles estavam esquecidos agora.

Obviamente, se Reyn nem era nascido naquela época, ele não podia ser o saqueador da minha lembrança. Mas eu podia jurar que o invasor era exatamente, exatamente como o Reyn de hoje em dia. Só que era imundo, tinha cabelos longos, estava coberto de sangue fresco e seco e usava peles de animais e armadura rústica. Fora isso, gêmeo idêntico.

— Aqui, galinha, galinha — murmurei, enfiando a mão por baixo de uma delas. Essa nunca tinha me bicado, mas eu tinha certeza de que ela ficava furiosa por eu viver pegando seus ovos.

Amada ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora