Capítulo 23

2 0 0
                                    


Aquele dia pareceu marcar um novo capítulo em minha carreira em River's Edge. Por causa das reações e preocupações dos professores, acabei diminuindo o ritmo e fazendo tudo com mais consciência, tentando prestar atenção a qualquer sentimento malevolente ao meu redor.

Eu observava tanto Nell quanto Reyn durante as refeições ou quando estávamos trabalhando perto uns dos outros. Reyn literal- mente tentava não olhar para mim e agia como se eu fosse invisível. Ele não me dava mais carona para a cidade, e nunca éramos designa- dos para trabalhar juntos. Nell parecia ter controlado a hostilidade e voltou a ser agradável e simpática de uma maneira falsa e vazia.

Eu não captava nada, e ninguém encontrou evidências de mais feitiços do mal em nenhum outro lugar. Estávamos todos em alerta, mas começou a parecer que talvez tivesse sido um evento único — como uma flechada de aviso, sem muita intenção de seguir em frente.

Ao menos era isso que eu dizia para mim mesma.

Alguns dias depois, o Velho Mac me falou que a loja ficaria fechada por cinco dias. Pelo que entendi, uma ou duas vezes por ano ele viajava com os amigos para pescar. Imaginei um bando de velhos reclamões, pegando no pé uns dos outros, parados na água gelada, cheios de mau-humor, lançando as iscas. Mas talvez para ele fosse uma terapia, uma válvula de escape.

Com certeza foi para mim. Primeiro, fiquei empolgada — cinco dias de folga! —, e então o pânico se instalou: o que eu ia fazer?

Naquele momento, cada minuto de cada dia era ocupado, e mesmo quando havia uma prorrogação de duas horas de alguma coisa odiosa e opressora, eu ainda assim me concentrava em tentar prestar atenção em quem e no que havia ao meu redor.

Com cinco dias de folga, me vi ficando entediada e pensando em coisas idiotas a fazer para me distrair. Como provocar os moradores locais, aparecendo em um carro espalhafatoso, começar a fumar, ir embora.

Era nesse ponto que eu começaria a decair, quando todas as minhas conquistas seriam arrancadas de mim com algumas escolhas ruins? Eu sabia que ia acontecer. Eu sempre, sempre estragava uma coisa boa.

No fim das contas, dessa vez pelo menos meus medos foram in- fundados. Eu devia saber que os escravizadores sedentos de poder de River's Edge veriam meus cinco dias de liberdade só como um de- safio a ser resolvido.

— O Yule está chegando — falou River com alegria, empilhando colchas e outras roupas de cama nos meus braços. — É uma época maravilhosa para limpar a casa. Então, no solstício, quando a noite mais longa do ano finalmente acabar e der lugar ao dia mais curto, quando nós saberemos que cada dia após esse será um pouco mais longo, um pouco mais iluminado... bem, é uma ótima sensação ter tudo limpo e renovado.

Olhei para ela por cima dos lençóis.

— Você só pode estar brincando.

— Não. — Ela deu aquele sorriso irresistível e atemporal que fazia seu rosto se iluminar. — Agora você vai para a lavanderia. E fique feliz por ser inverno e você poder usar a secadora. No verão faremos isso de novo, mas usaremos varais. — Ela fez gestos com as mãos para que eu fosse embora, e tropecei para o lado de fora, no frio, mal conseguindo ver o caminho. Pelo menos eu não ia ter que ferver aquelas porcarias em enormes caldeirões no quintal, pensei mal- humorada. A lavanderia era apenas uma grande sala no canto do prédio da escola, onde uma fila de sete lavadoras industriais e outras tantas grandes secadoras me esperavam.

Amada ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora