Capítulo 2

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Depois de alguns dos eventos que testemunhei, a noite com Incy/motorista/magick/nunca devia ter se parecido com uma festa. Já corria na noite, agarrada à crina de um cavalo, com nada além das roupas do corpo, enquanto uma cidade atrás de mim ardia em chamas. Já vi corpos cobertos com as feridas purulentas da peste bubônica, em pilhas enormes nas ruas da cidade, como troncos, porque não havia gente viva o suficiente para enterrá-los. Eu estava em Paris no dia 14 de julho de 1789. Não se esquece a imagem de uma cabeça humana enfiada numa estaca.

Mas não estávamos em guerra agora. Vivíamos uma vida normal, ou tanto normal quando um imortal pode ter. Quero dizer, sempre tem um pouquinho de surrealismo. Se você vive tempo o bastante, passando por guerras, invasões e ataques de inimigos do norte, você acaba se defendendo, às vezes a um ponto extremo. Se alguém vai para cima de você com uma espada e você tem uma adaga escondida na parte de trás da saia, bem...

Mas isso era diferente. Não importava que o agressor provavelmente não fosse matar você - com que frequência alguém decapita a gente? - , ainda parecia uma situação de vida ou morte, e você reagia como se fosse. Mas a noite anterior tinha sido... apenas uma noite normal. Nada de guerra, nada de guerreiro nórdico, nada de vida ou morte. Só um motorista puto da vida.

Onde Incy tinha aprendido aquele feitiço? Sim, somos imortais, temos magia correndo nas nossas veias, mas é preciso aprender como usar. Ao longo dos anos, conheci pessoas que se dedicavam arduamente a estudar magick, aprender feitiços, aprender o que fosse preciso para fazer uso dela. Mas concluí, muito tempo antes, que eu não queria. Já tinha visto a morte e a destruição que a magia podia causar, já tinha visto o que as pessoas estavam dispostas a fazer por causa dela, e não queria envolvimento algum com isso. Queria fingir que ela não existia. E encontrei alguns aefrelyffen (uma antiga palavra para imortais) com pensamento similar, e ficávamos juntos.

Certo, talvez eu usasse magia para conseguir um táxi quando estava chovendo e não tinha nenhum por perto. Para fazer a pessoa na minha frente não querer o último pain au chocolat. Esse tipo de coisa. Mas para partir a coluna de alguém, por diversão? 

Eu já tinha visto Incy usar as pessoas, partir o coração de moças e rapazes, roubar, ser insensível - e isso tudo era parte do ser charme. Ele era impulsivo e egoísta e aproveitador - mas não comigo. Comigo ele era doce e generoso e engraçado e divertido, disposto a ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa. Era ele quem me chamava para ir ao Marrocos de uma hora para outra. Era para ele que eu ligava para me tira de uma situação complicada. Se algum cara não aceitava não como resposta, Incy aparecia, com seu sorriso cruel. Se alguma mulher fizesse um comentário maldoso, a resposta de Incy a deixava constrangida na frente de todo mundo. Ele me ajudava a escolher o que vestir, comprava para mim coisas fabulosas em todos os lugares para onde ia, nunca me criticava, nunca me fazia me sentir mal.

E eu fizera o mesmo por ele - até quebrando uma garrafa na cabeça de uma mulher uma vez quando ela foi atrás de Incy com uma lixa de unha de metal. Subornei porteiros, menti para guardas e policiais e fingi ser sua mulher ou irmã - até mesmo sua amante enfurecida - , dependendo do que a situação exigisse. Ríamos disso tudo depois, até as lagrimas rolarem. O fato de que nunca tínhamos sido amantes, de que nunca ouve aquele constrangimento entre nós, só tornava tudo mais perfeito.

Ele era meu melhor amigo - o melhor amigo que eu já tivera. Vivíamos grudados havia quase um século, então era incrível que ele tivesse conseguido me chocar na noite de ontem. E incrível que nossos outros amigos não tivessem ficado chocados. E incrível, até mesmo para mim, que eu tenha conseguido chegar a um nível ainda mais baixo. O baixo nível da indiferença. O baixo nível da covardia. E, para completar, Incy tinha visto minha nuca. Não podia ficar melhor.

Amada ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora