Capítulo 15

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Não sei se o Velho MacIntyre ficou surpreso ao me ver na manhã seguinte, pontualmente, mas eu estava impressionadíssima. Ele demorou uns vinte minutos para me explicar sobre a arrumação das prateleiras, mais cinco minutos para falar da complexidade da registradora velha (e não de uma maneira encantadora) e, por fim, 45 minutos para me colocar o temor a Deus caso eu decidisse roubar alguma coisa. Ele mantinha trancada a seção de trás, onde ficavam armazenados os medicamentos controlados, então essencialmente ele estava me avisando para não enfiar na bolsa Tampax, leite em pó para bebês e iscas vivas. Vai entender.

Enrolei as mangas da minha camisa xadrez de flanela, sexy e provocante, abri uma caixa de tinta de cabelo Garnier Nutrisse e comecei a arrumar as caixinhas com toda disposição. Concentrar- me nesse trabalho mentalmente entorpecedor significava que eu não conseguia pensar em mais nada. Eu estava determinada a não pensar em qualquer outra coisa pelo tempo que conseguisse. Eu tinha engolido meu chá de ervas na noite anterior e conseguira dormir surpreendentemente bem — sem pesadelos, sem lembranças. Foi a maneira que eu encontrei de lidar com a história das oito casas. Como eu poderia encarar aquilo? Havia tanta coisa que eu não sabia sobre meu passado, sobre minha própria história. Nunca quis saber. Tinha medo de saber. Veja tudo o que eu desconhecia sobre meu amuleto. Agora que eu sabia, ele me levava a um novo nível de paranoia. Que divertido!


Depois de uma eternidade de trabalho mecânico sem pensar, de repente me dei conta do sentido daquilo tudo, do que Solis esperava que eu fosse aprender: ele esperava que esse tédio sem objetivo fosse me sobrecarregar tanto que eu sofreria um surto psicótico, sairia correndo pela rua e desapareceria dali para sempre. Tinha que ser esse o plano por trás de tudo.

E, oh, eu estava perto disso. Perto demais. Mas alguma coisa em mim me forçou a ir em frente, e tudo em que eu conseguia pensar era na certeza humilhante e confusa de que minha vida não ficaria nada melhor se eu estivesse em qualquer outro lugar, fazendo qualquer outra coisa. E também, por mais que aquilo tudo fosse um saco — e acredite, era muito ruim —, era o máximo de disfarce que eu conseguiria. Ninguém jamais acreditaria que eu fosse capaz de estar ali, fazendo aquilo. Eu me sentia camuflada, e aquele medo inominável que pairava sobre mim ainda me fazia sentir que me esconder era importante. Por quê? Eu não sabia. Era um grande mistério, até para mim mesma.

Havia alguém perto de mim, estava parado e próximo há algum tempo, me dei conta de repente. Como Meriwether tinha dito, não acontecia muita coisa na cidade de modo geral, e a MacIntyre's em particular parecia estar em estado crítico — não havia quase nenhum cliente. Naquele momento, percebi que havia outra pessoa ali. Eu a senti, senti sua energia, embora não tivesse ouvido o sino da porta soar.

Peguei algumas caixas vazias e segui para a parte de trás, olhando em cada corredor. Era a garota punk/gótica, a que eu já tinha visto duas vezes, a que eu vivia encontrando porque aquela cidadezinha de nada era tão pequena que era impossível não viver esbarrando nas mesmas pessoas toda hora.

Ela olhou para mim, com o costumeiro olhar desafiador no rosto, e agi como se não a tivesse reconhecido. Mas observei-a pelo espelho redondo no fim do corredor e vi quando ela colocou dois vidros de esmalte no bolso. Suspirei e joguei as caixas nos fundos, ao lado da lixeira.

Quando voltei, ela estava esperando com uma expressão impaciente no balcão do caixa. O Sr. MacIntyre ajudava uma senhora na parte de trás que estava comprando medicamento com receita, então murmurei uma oração rápida para me lembrar de como usar a registradora idiota e segui para lá.

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