Capítulo 25

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De alguma maneira, consegui manter o ritmo diário da minha nova vida. As tarefas me davam propósito e estrutura — eu sabia onde tinha que estar e o que deveria estar fazendo a qualquer momento do dia. Conseguia executar minhas tarefas sem precisar pensar muito: varrendo folhas das varandas, limpando o fogão, recolhendo lenha, semeando centeio no jardim da cozinha. Eu me movia mecanicamente, e as pessoas estavam mais gentis do que o habitual comigo, menos Nell e Reyn, que me evitavam.

— Minha mãe tinha sido vendida três vezes antes do meu pai comprá-la — disse Brynne um dia enquanto estávamos batendo os tapetes do lado de fora. Nós duas estávamos com cachecóis sobre nossas bocas; a poeira fina e leve cobria o ar ao nosso redor. A voz dela estava abafada, mas eu podia ouvir. — Eles tiraram dela outros filhos, que não eram imortais. Alguns ela nunca encontrou, e um ela encontrou só quando estava bem velho e prestes a morrer.

Absorvi a história.

— Mas agora ela está... satisfeita — prosseguiu Brynne, olhando ao longe. — Ainda apaixonada pelo meu pai. Adorando tudo que faz. Amando muito todos nós. Ela realmente gosta de ser imortal.

Todo mundo tinha histórias, tanto horríveis quanto belas. Cada uma delas era exposta, examinada, contada e guardada. Eram coisas que tinham acontecido; não estavam acontecendo agora.

Enquanto meu cérebro começava a absorver todos esses conceitos significativos, minha vida diária teve alguns contratempos. Esqueci de tirar as colchas e cobertores molhados das máquinas de lavar e colocar nas secadoras, então eles ficaram mofados. Tive que lavar aquelas porcarias três vezes mais, porque o detergente caro e ecológico que River comprava limpava muito mal. A invenção do alvejante foi um grande passo para a humanidade, sabe? Teria funcionado imediatamente. Era um alívio tão grande ficar irritada e xingar por causa disso em vez de me contorcer de infelicidade por causa de outra coisa.

No dia seguinte, eu estava em uma das despensas, enfiada até os joelhos em jarros de vidro, arrumando, tirando o pó e tentando me concentrar em estar no presente, pois, como todos nós vimos, viver no passado era um maldito pesadelo. Por uma fresta na porta da despensa, vi Reyn e Nell, ambos lavando o lustre de ferro que ficava pendurado em cima da mesa de jantar. Nell disse alguma coisa, e a lateral da boca de Reyn tremeu em um meio-sorriso, a tensão anterior entre eles parecia esquecida, perdoada. Isso fez meu coração arder.

Comemos nabo por três jantares seguidos.

A maldita galinha bicou minha mão de novo, fazendo sair sangue.

Quase a estrangulei.

Solis me pediu gentilmente que tentasse ter visões de novo. Achei que ele seguia a linha de pensamento que mandava a gente "subir de novo naquele cavalo". Sendo eu seguidora da linha de pensamento "claro que não", eu disse que não. Ele me deu tarefas extras.

Depois do incidente do chão sujo com Nell, ela me evitou, mas de uma maneira habilidosa. Duvido que mais alguém tenha notado. Mas ela fazia coisas pequenas: os bolsos do meu casaco apareciam cheios de terra, minhas botas encharcadas, minha comida coberta de sal. Eu não a via fazer nada disso, e algumas das coisas devem ter sido tão difíceis de fazer que ela devia ter usado magick. Mas eu sabia que era ela. Seu sorrisinho superior e o olhar astuto diziam isso. Eu queria esganar tanto ela quanto a galinha. Juntas. Talvez bater nela com a galinha.

Amada ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora