Capítulo VI

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Loki

Olhei de relance para a varanda enquanto servia mais da bebida escarlate. Afrodite estava instalada numa elegante poltrona de palha, uma manta jogada sobre os ombros enquanto brigava inconformada com os cabelos que esvoaçavam para todas as direções. Segurei um risinho enquanto me aproximava com os dois copos. Entreguei um deles e me sentei na poltrona ao lado. Tomei um gole e fiz uma careta. Muito doce.

— Se você não tivesse gostado, não estaria no terceiro copo — zombou, encarando o céu fixamente.

— Não é nenhuma ambrosia — repeti a mesma fala que a ouvira dizer mais cedo, no jantar, com minha mais ridícula impressão de seu tom de voz.

Ela gargalhou.

O jantar havia sido um tanto esquisito. A comida, ao contrário de seu escárnio, não fora o problema. Eu tinha dispensado os empregados para que ela se sentisse mais à vontade, mas tínhamos o suficiente para um banquete em Valhalla. A conversa é que estava escassa. Após tanta tensão e afronta, pela primeira vez, tivemos tempo para conversar. Sem ameaças, chantagens, avisos, jogos. E, então, ficamos monossilábicos.

Quando terminamos, ela quis um cálice de vinho. Tive o grande prazer de lembrá-la que humanos convalescentes não devem tomar bebidas alcóolicas e, sob fortes protestos, ela aceitou suco de romã. Aparentemente, sua fruta preferida.

Resolvi abandonar o whisky por uma noite para acompanhá-la como um bom cavalheiro. E lá estava eu, no meu terceiro copo.

— Os dias de cão estão chegando — suspirou, ainda observando o céu estrelado.

Virei meu rosto em sua direção, confuso. A luz da lua deixava sua pele e seus cabelos esvoaçantes levemente azulados. Ela prosseguiu:

— Sírius está inquieta. Quer dizer que o verão vai ser escaldante.

— Quem é Sírius? — perguntei, olhando debilmente para cima e me sentindo um pouco incomodado por não ter a mínima ideia do que ela falava.

Afrodite suspirou outra vez, mas com um pouco menos de paciência do que antes. Apontou para um ponto no céu.

— Ali, na parte de cima da Cão Maior. Quando ela cintila dessa forma, o verão vem quente e abafado. Dias de cão — explicou, como se fosse óbvio. — Os mortais falavam até que ela enfraquecia os homens e estimulava o desejo das mulheres — acrescentou em um tom divertido de confabulação.

Foquei o olhar na direção que ela apontava e, sem dificuldade alguma, encontrei o ponto ao qual ela se referia, brilhando mais intenso do que qualquer outro. Ri sem humor.

— Ah, sim. É que, bem... Na minha terra, essa estrela tem outro nome.

Ela me olhou com genuína curiosidade, levantando as sobrancelhas para que eu continuasse. Cocei a nuca um pouco contrariado.

Lokabrenna... A Tocha de Loki.

Afrodite estreitou os olhos por um segundo, mas finalmente assentiu com a cabeça e voltou a olhar para o céu, em silêncio. Eu sabia que ela continuava curiosa, mas não fez mais perguntas, o que me agradou. Não era o tipo de coisa sobre a qual eu queria conversar.

Um momento depois, ela se virou em minha direção com um sorriso nos lábios.

— Se é uma estrela que estimula os desejos das mulheres, eu adoraria se ela fosse batizada em minha homenagem — e piscou travessa.

Não pude conter uma gargalhada. Ela me desejou boa noite e retirou-se para seu quarto. Observei o céu por mais alguns minutos antes de eu mesmo ir me deitar, e me dei conta de que aquele silêncio esquisito do jantar tinha se transformado numa confortável atmosfera de cumplicidade.

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