Capítulo XX

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Afrodite

O céu ainda tinha um tom azul marinho quando eu saí pela porta da varanda, mas o canto dos pássaros anunciava a manhã se aproximando. As camadas do vestido ondulavam à medida que eu caminhava. A peça poderia facilmente ser considerada um traje de gala, não fosse pelos detalhes em couro e metal em lugares estratégicos para proteção. O tecido era pesado, mas fluido, e de um intenso roxo berinjela que eu sabia muito bem onde Loki havia se inspirado para conjurá-lo.

— Você está... — ele engoliu em seco enquanto me estudava de cima a baixo, e seu olhar escureceu — deslumbrante.

Eu não poderia ter escolhido palavra melhor para descrevê-lo, mesmo se tentasse. Um traje de couro preto, típico de sua terra, ajustava-se perfeitamente ao corpo dele, em sobreposições intrincadas que conferiam tanto elegância quanto segurança reforçada. Pequenos detalhes em um verde fechado adornavam a gola e algumas partes do peitoral, tão escuro que só podiam ser vistos de perto. Ele exalava poder e agilidade. Um verdadeiro deus asgardiano.

— Tomara que não encontremos nenhum de seus capangas pervertidos no caminho, então — as palavras amargaram em minha boca, mas eu ainda fervilhava de raiva.

Loki baixou os olhos, aceitando o insulto calado. Era difícil olhar pra ele e não ficar exasperada. Meu corpo e meu coração pareciam se contrair com a saudade e as lembranças. Mas a ferida da traição ainda jorrava rancor ardente na minha corrente sanguínea. Cruzei os braços, lutando contra todas as sensações.

— Como nós vamos, afinal de contas?

A sombra de um sorriso cruzou seu semblante e ele pareceu acolher a mudança de foco. Loki gesticulou para o grande espaço vazio na grama à nossa frente.

— Por aqui.

Levantei uma sobrancelha enquanto observava o lugar para o qual ele apontava. Não havia nada ali. Eu não sabia como a viagem pelo espaço-tempo funcionava para os asgardianos, mas se o que Ares dissera sobre suas defesas impenetráveis era verdade, não me parecia plausível que Loki poderia simplesmente se teleportar com uma humana para o meio do reino.

— Só existe uma forma de entrar em Asgard — ele explicou com uma risadinha ao ver minha expressão. — Através da Bifrost.

Não tive tempo de fazer mais perguntas. Loki estendeu a mão para frente e sobre sua palma, um feixe de luz fulgurante se formou. Não era sólido, era pura energia. Ele segurou a luz como se fosse o cabo de uma adaga e virou-a para baixo, cravando-a no chão com um movimento tão forte e rápido que eu mal tive tempo de registrar o acontecimento.

O feixe de luz se expandiu, e à medida que aumentava, eu pude discernir as diversas cores do arco-íris cintilando tão claras que pareciam branco. A luz pareceu implodir e lançou-se como um raio para o céu a perder de vista, uma infinita coluna de iridescente no meio do azul escuro.

Loki sorriu e estendeu a mão para mim. Olhei dele para a Bifrost tremulando como um fogo sobrenatural, e para ele outra vez. Respirei fundo e travei o maxilar antes de segurar sua mão e pisarmos juntos dentro da coluna cintilante.

A sensação era como pular de um precipício. A impressão de movimento em altíssima velocidade parecia colar meu estômago às costas, mas não dava para sentir em qual direção estávamos indo. Fechei os olhos sob o brilho ofuscante e me agarrei ao braço de Loki enquanto o meu corpo todo se arqueava com um calafrio sem fim. Um vento sem origem específica atirava meus cabelos e saias para todos os lados.

Tão repentina quanto a viagem, entretanto, a luz e o vento desapareceram. Tudo ficou imóvel e eu abri os olhos. Em algum momento durante o trajeto, Loki havia passado o braço livre pela minha cintura e me puxado para seu peito. E agora estávamos frente-a-frente, mais próximos do que havíamos estado em semanas. Daquela distância, eu podia ver os diversos tons de verde de suas íris e sentir o calor de seu corpo contra o meu, mesmo com os trajes pesados.

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