Capítulo II

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Loki

Eu soube que era Afrodite antes mesmo que ela se desse conta de que eu estava no quarto do hotel.

Não por sua aparência. Eu nunca tinha visto aquela mulher em toda Midgard. Ou em qualquer outro lugar, diga-se de passagem. E, mesmo se tivesse, não a reconheceria. Já tinha ouvido falar que, em plenos poderes, suas características físicas se adaptavam de acordo com o gosto de seu observador.

O que a denunciou, porém, foi a energia que pulsava de seu cerne. Quase imperceptível, como uma aura. Incomum, mas inebriante. Delicada, mas selvagem. Como a papoula que eu lhe dera.

Sua pele era viçosa e seus cabelos eram longos e volumosos, emoldurando seu rosto. Mas o que mais chamava atenção eram seus olhos. À primeira vista, apenas belos olhos castanhos. Mas, quando observados com atenção, era possível perceber um leve brilho violeta emanando de suas íris. Enfraquecido, pois era anatomicamente humano, mas ainda poderoso. Com certeza, provocariam grande fascínio em qualquer mortal.

— Eu falo sério, irmão, não se meta com os gregos — repetiu Baldur, trazendo-me de volta de minhas lembranças. — Dizem que são temperamentais, impulsivos.

Levantei o olhar do meu copo vazio e ri em silêncio, encarando seus olhos azuis preocupados. Dei de ombros.

— Ela não tem mais poderes. Não há nada que possa fazer.

— Mas que ofensa deve ter cometido para que os perdesse? — falou como se matasse a charada do milênio.

Levantei-me da poltrona e fui até o bar do apartamento, abastecido em variedade. Em suas prateleiras de vidro, selecionei a garrafa de whisky que havíamos aberto mais cedo e enchi meu copo outra vez. Estiquei o braço e ofereci o refil ao meu irmão, que negou com a cabeça e resmungou.

Baldur me amava. E era bom em sua essência. Apesar de uma grande virtude, aquilo era também sua maior fraqueza. Ele era o único asgardiano com quem mantinha contato desde que eu decidira sair do reino pela última vez, há algum tempo. Nós nos encontrávamos quase regularmente em algum dos imóveis que eu acumulara nos últimos anos vivendo em Midgard.

Aproximei-me com calma e soube, por sua expressão, que minha tranquilidade o irritava.

— E se estiverem à procura dela para matá-la? — insistiu, balançando os braços exasperadamente. — Pode ser perigoso!

Revirei os olhos. Depois de tanto tempo, sua inocência era adorável.

— Se quisessem matá-la, já teriam feito — expliquei. — Se sua falta fosse de grande gravidade, ela não teria sido apenas banida.

Baldur me encarou por um longo momento, e eu interpretei seu olhar um pouco tarde demais.

— Não necessariamente — ele levantou as sobrancelhas, sua expressão cheia de significado.

Engoli em seco e olhei para o chão. Um turbilhão de memórias e sentimentos que eu tentava evitar há séculos invadiram minha mente. Meu corpo estremeceu.

Respirei fundo empurrando tudo aquilo de volta para o passado e levantei os olhos. Baldur me observava com atenção.

— Meu querido irmão — eu disse carinhosamente, colocando a mão sobre seu ombro e senti-o relaxar um pouco —, não se preocupe. Eu estou apenas curioso.

Ele me encarou por algum tempo e então riu, a contragosto.

— Loki, você não consegue, simplesmente, ficar na sua?

Pegou a garrafa de whisky e encheu seu próprio copo vazio.

— Se ficasse — respondi dando de ombros —, não seria eu.

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