Capítulo X

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Afrodite

— Kypria! — Loki abriu os braços e sorriu largamente. — Que bom que pôde se juntar a nós.

O interior do jatinho era pequeno, mas sofisticado. Uma única comissária terminava de servir a mesa retrátil com diversos itens de café da manhã. O homem à minha frente não se parecia nada com aquela pessoa inesperadamente vulnerável da noite anterior. Seu semblante ladino continha o ar do cinismo que eu já conhecia, quase maníaco.

Marchei até ele com passos largos, a empatia que eu sentira na véspera a quilômetros de distância.

— Você enlouqueceu? — acusei, cutucando seu peito com força. — Achou que ia me deixar para trás?

Aquele era o dia combinado para voltarmos à Grécia. O que eu não esperava, entretanto, era acordar e perceber que ele já havia deixado o hotel sem mim.

— Minha querida — respondeu em tom diplomático —, o carro estava lá esperando por você, não estava?

De fato, estava. Mas os minutos que levei até descobrir não tinham sido menos aterrorizantes por causa disso. A viagem até o aeroporto foi uma mistura de alívio e irritação crescente.

— Não sou sua querida — resmunguei com um muxoxo.

Peguei um sanduíche sobre a mesa e me joguei na poltrona mais afastada possível, afivelando o cinto.

Loki engatou uma conversa enfadonha com a comissária até a decolagem. Ele era todo sorrisos e galanteios, fazendo comentários bem humorados sobre os últimos lançamentos do cinema, super heróis e até mesmo seu próprio nome. Ela ria como uma ninfa adolescente. Asgardiano metido à besta. Quando já estávamos entre as nuvens e o silêncio reinou na cabine, eu mergulhei em meus próprios pensamentos.

Aquele comportamento de Loki não era apenas idiota, era ultrajante. Ele falara que não estava lá para zombar de mim, mas sempre dava um jeito de esfregar na minha cara como eu estaria submissa aos seus caprichos enquanto fosse mortal. E eu estava farta de homens me dizendo o tempo todo o quanto se acham superiores. Observei-o discretamente. Um par de óculos escuros cobria seus olhos e sua face estava voltada para a janela. Um sorrisinho presunçoso brincava em seus lábios.

Lembrei-me de seu rosto na limousine, no momento daquela brusca confissão. A dor que transparecera em seu semblante era crua e intensa. E sua relutância em admiti-la evidenciava ainda mais o quanto ela era profunda. Sua atitude arrogante começou a tomar outra forma aos meus olhos. Aquela era sua máscara, sua armadura protetora. O deus da enganação e sua especialidade. E eu sabia tão bem disso porque era muito experiente em usar a mesma estratégia.

Já era noite quando eu me levantei e fui para a poltrona ao lado dele. As janelas do jatinho estavam fechadas e as discretas luzes azuladas iluminavam a cabine o suficiente apenas para eu poder me locomover sem esbarrar em nada. Ele brincava com a pedra de gelo em seu copo vazio de whisky, fazendo-a tomar diferentes formatos.

— Loki... — chamei brandamente.

Ele ficou paralisado por um segundo e então levantou o olhar com um ar zombeteiro. Tomou fôlego para falar alguma coisa, mas eu me adiantei.

— Eu conheço a solidão.

Sua expressão endureceu naquele exato instante. Mesmo à pouca luz, pude vê-lo apertando o maxilar. Eu sabia que não era um assunto sobre o qual ele estava disposto a conversar, mas continuei assim mesmo. Não compreendia muito bem por que eu queria contar, porém sentia que ele precisava ouvir.

— Há muito tempo, eu passei mais de um século isolada aqui na Terra.

Ele comprimiu os lábios, pensativo. Um segundo de silêncio e a curiosidade provavelmente venceu a batalha travada em sua mente.

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