Capítulo III

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Afrodite

Loki guiou-me para o lado de dentro do balcão, mas o barman não demonstrou espanto. Acenou com a cabeça e continuou o que estava fazendo. Passamos por uma porta estreita que ficava praticamente invisível em meio às opulentas prateleiras de bebidas e atravessamos um corredor. No final, um daqueles seguranças brutamontes e de cara fechada bloqueava uma porta, como um minotauro que guarda seu labirinto.

Para minha surpresa, quando nos aproximamos, o homem sorriu e abriu caminho.

Tivemos que nos abaixar um pouco para entrar e, quando a porta se fechou atrás de nós, todo o som da boate foi abafado. O cheiro forte de charuto invadiu minhas narinas e meus olhos levaram um segundo para se ajustar à pouca luz. Por volta de uma dúzia de pessoas estavam divididas entre poltronas de couro e algumas mesas de baralho. Uma música suave se misturava às suas conversas tranquilas e risadas educadas.

Antes que pudéssemos dar um passo, um senhor baixinho de colete e gravata borboleta se aproximou. Sua careca reluzia à meia luz, e suas bochechas eram rosadas e salientes. Ele sorriu com entusiasmo quando reconheceu meu acompanhante.

— Boa noite, senhorita, senhor Locke. O senhor gostaria de um lugar à mesa?

— Hoje não, Yiannis. Obrigado.

Loki foi até um carrinho de bebidas e serviu para si uma dose de whisky enquanto eu pedia ao garçom para trazer uma taça de vinho.

Locke?! — sussurrei assim que ficamos sozinhos.

— John Locke — sussurrou de volta. — Você acha que eu saio por aí me apresentando como Loki, o deus da trapaça?

Eu balancei a cabeça afirmativamente e ele sorriu.

— Os tempos mudaram, Afrodite. Hoje em dia, é mais fácil controlar a orquestra se eles não souberem quem é o maestro.

Revirei os olhos e me encaminhei para uma das poltronas. Eu jamais desceria do Olimpo fingindo ser uma mortal. Estalei a língua com desgosto quando me lembrei que, agora, eu era uma e também escondia a minha verdadeira identidade.

Sentei-me e observei a sala por alguns instantes. Os jogadores se encaravam sérios e olhavam as cartas com atenção. Ocasionalmente, alguém resmungava ou empurrava algumas fichas para o meio da mesa. Algumas mulheres bebiam champanhe atrás de seus parceiros ou conversavam distraidamente nas poltronas.

Loki deu uma gorda gorjeta quando o garçom trouxe minha bebida.

— E por que John Locke? — perguntei, assim que ficamos a sós. — Além da pronúncia parecida, claro.

— Eu poderia dizer que é por causa do filósofo... — ele deu de ombros enquanto tomava um gole de whisky. — Mas é por causa do personagem de Lost.

Eu não sei exatamente o quê em meu olhar confuso despertou sua diversão, mas Loki jogou a cabeça para trás numa gargalhada. Algumas pessoas olharam curiosas e eu fechei a cara, sentindo as maçãs do rosto queimando.

— Você não me trouxe aqui para ficar falando de filósofos perdidos, trouxe? — respondi, praticamente cuspindo as palavras.

Ele ainda estava recuperando o fôlego, saboreando cada gota da diversão às minhas custas. Apertei o maxilar e olhei para o outro lado, desejando meus poderes de volta ainda mais do que antes. Cerrei os punhos com tanta raiva que até Ares ficaria orgulhoso.

— É verdade, me desculpe — ele disse com uma última risadinha. — A proposta.

Voltei meu rosto para sua direção tentando disfarçar minha curiosidade com uma máscara de desdém.

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