Capítulo XIV

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Loki

Afrodite mal abriu os olhos enquanto a carreguei da sala para meu quarto, e aconchegou-se imediatamente nos lençóis quando a depositei com cuidado sobre a cama. O dia havia sido mesmo muito longo. Por mais cansado que eu também estivesse, sabia que não conseguiria pregar os olhos naquela noite. O píer me parecera um lugar tranquilo o suficiente para acalmar minha mente que fervilhava. E a garrafa de whisky abandonada mais cedo, uma boa companhia.

Nos últimos dois dias, minha vida havia sido rasgada e escancarada de uma só vez, expondo os ressentimentos e arrependimentos que eu ocultava com tanto esmero. E, para completar, o plano que me colocaria sobre o trono de Asgard, a ambição de toda uma vida, estava prestes a entrar em sua fase final. Ainda assim, tudo que eu conseguia fazer naquele momento era sorrir debilmente para o copo em minha mão, o líquido âmbar brilhando sob o sol nascente. Concluí que trocaria o whisky por vinho de novo a qualquer hora, se ela o compartilhasse comigo.

Respirei fundo e me espreguicei, estalando as articulações, antes de caminhar devagar em direção à casa. Atravessei o gramado e subi as escadas um pouco indeciso sobre como me portar quando Afrodite acordasse. Deveria beijá-la? Agir como se nada tivesse acontecido? Desejei que Baldur estivesse ali para me dar umas dicas, ele era muito melhor nessas coisas do que eu. Xinguei-o mentalmente com um risinho, apenas pelo prazer de fazê-lo, e abri a porta.

Um calafrio sinistro eriçou todos os pêlos do meu corpo e o choque me paralisou onde estava. Afrodite se espremia contra o aparador, os olhos arregalados como dois pires. À sua frente, um homem enorme e musculoso encarava-a intensamente, o rosto a centímetros do dela. O copo e a garrafa que eu carregava se transformaram em adagas um segundo depois e eu assumi uma postura ofensiva enquanto me aproximava lentamente. Eu pretendia manter o silêncio, mas a raiva se inflamou dentro de mim e escapou como um silvo furioso de minha garganta.

Os dois me olharam surpresos, como se não estivessem na minha casa. Os olhos de Afrodite pareceram se arregalar ainda mais, se é que era possível. Ela se comprimiu para o lado, escapando do alcance do homem, e deu um passo em minha direção, a mão trêmula levantada.

— Loki — murmurou com a voz fraca —, está tudo bem.

Mas minha atenção não estava voltada para ela naquele momento. Eu encarava o visitante inesperado, que sustentava meu olhar de forma ameaçadora. Ele era inegavelmente belo, com os cabelos castanhos presos para trás da mesma cor que a barba cerrada. Seus olhos castanhos claros, quase dourados, brilhavam com uma intensa energia caótica sobrenatural e ostentavam um halo avermelhado. Ele não era mortal.

Eu o vi fechando os punhos às costas de Afrodite, estremecendo de leve. Sua expressão denunciando uma fúria muito custosamente controlada. Quando ela olhou para trás, o rosto dele suavizou no mesmo instante.

— Ah! — ele forçou um sorriso para ela enquanto se posicionava ao seu lado — Então, esse é o seu anfitrião — meneou a cabeça em minha direção.

Algo na forma como ele se referiu a mim me incomodou profundamente, e eu apertei as adagas com mais força. Antes que ela respondesse, levantei o queixo e falei:

— Eu sou Loki, príncipe de Asgard.

— Eu sou Ares — ele respondeu, colocando uma mão no ombro de Afrodite de forma dominadora —, e vim buscar minha mulher.

Meu olhos recaíram sobre os dela. Seu rosto estava lívido. Ela se desvencilhou do toque dele e fitou-o de braços cruzados.

— Você o quê?! — perguntou confusa e ligeiramente surpresa — Achei que tivesse vindo me matar.

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