Capítulo XXIII

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Afrodite

Minha mão vacilou por apenas um segundo antes de girar a maçaneta. Um instante de receio em meio à expectativa. Sim, o Disco de Festos ainda funcionava e estava prestes a nos levar diretamente para o Olimpo. Mas não seria a volta triunfante que eu imaginara. Em meus planos, esse retorno teria um pouco mais de imortalidade e bem menos perigo iminente. Respirei fundo, acalmando meu coração retumbante. É preciso saber jogar com as cartas que se recebe.

Abri a porta. A suave fragrância de amêndoas e ambrosia invadiu meus sentidos como uma onda doce de nostalgia, aliviando o nervosismo. Longas pilastras de mármore estendiam-se a perder de vista, as ranhuras de ouro e cristais refletindo a pouca luz da madrugada.

Virei o rosto, procurando por Loki, e assim que nossos olhares se encontraram, ele meneou a cabeça uma vez e conjurou a lança de Odin com um sorriso malicioso. Encorajador.

Coloquei a cabeça para dentro e espiei ao redor. O grande salão estava completamente deserto. Em uma das extremidades, os imponentes portões de ouro eram vigiados pelas Horas, as deusas guardiãs da entrada, completamente alheias à nossa chegada.

Atravessamos o batente em completo silêncio. Assim que ouvimos o suave clique da porta se fechando atrás de nós, ela desapareceu completamente. Em seu lugar, apenas mármore maciço. O reino mortal a um universo de distância. O Disco de Festos em minha mão já não tinha fio algum.

Sem pensar, alcancei a mão livre de Loki e ele apertou a minha com uma firmeza surpreendente e reconfortante. Tudo que ele havia falado no museu ainda ecoava em meus pensamentos, e o ressentimento ainda pesava meu coração, mas eu não conseguia não ser grata por ser ele quem estava lá comigo. Eu o queria ali.

Mas havia uma outra pessoa com quem eu sabia que também podia contar.

Percorremos os corredores do imenso palácio furtivamente, parando algumas vezes para tentar ouvir se alguém se aproximava. O Olimpo estava quieto como eu não via há séculos, mesmo para o meio da noite. A típica calmaria antes da tempestade. Loki me acompanhava sem hesitar, a mão firme na minha. Gungnir a postos em sua outra mão enquanto eu nos guiava pelo labirinto que ele desconhecia.

Paramos em frente a uma grande porta ornamentada com delicadas flores de ouro. Implorei ao universo para que eu estivesse certa. Nessa época do ano, Perséfone deveria estar no Olimpo e não no submundo com seu marido. Abri a porta e entramos o mais silenciosamente possível.

Persie dormia tranquilamente, sozinha em sua cama, e eu soltei o ar, aliviada. Assim como nas incontáveis noites em que a visitei, o enorme quarto estava todo decorado com trepadeiras repletas de flores selvagens caindo em cascatas graciosas do teto.

Loki ficou parado à porta com a postura tensa, e eu me aproximei da cama. Antes de alcançá-la, entretanto, meu corpo foi todo envolvido por correntes de vinhas floridas, que se arrastaram do chão e me imobilizaram num aperto dolorido. Atrás de mim, ouvi Loki ofegar enquanto também era agarrado.

Perséfone levantou-se com um salto, os cachos acobreados selvagens ao redor de seu rosto. Uma poderosa energia negra emanando de seu corpo em ondas densas, contrastando com a delicadeza de suas feições.

Demorou apenas um segundo até que o reconhecimento invadisse seu semblante e as plantas nos largassem de uma vez. Não tive tempo de tomar uma respiração completa antes de sentir o impacto de seu corpo contra o meu, num abraço tão potente quanto das correntes vivas que tinham acabado de voltar aos seus lugares de origem no quarto.

— Ah, Persie... — sussurrei, a voz embargada pelas lágrimas que brotavam em meus olhos.

Vários segundos se passaram naquele abraço. Quando nos separamos, trilhas molhadas brilhavam em suas bochechas.

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