Capítulo XXI

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Loki

A visão de Asgard sempre me deixou sem fôlego, especialmente ao amanhecer. As extensas florestas boreais cintilando ao sol, cercadas pelo muro imponente e impenetrável. Mais ao centro, grandiosos palácios sobre montanhas dividiam espaço com cachoeiras e lagos. E elevando-se sobre tudo isso, o maior e mais luxuoso entre eles – o palácio de Odin.

Mesmo me sentindo mais à vontade em Midgard, era revigorante estar em casa, saltando pelo terreno nas costas de Fenrir. E com Afrodite firmemente agarrada ao meu tronco. Eu podia sentir seu coração batendo com força às minhas costas, mas em nenhum momento ela se abaixou ou se escondeu. Sempre altiva, mesmo à face do desconhecido.

Sentir seu corpo daquela forma, tão próximo do meu outra vez, era ao mesmo tempo uma alegria e uma tortura. Eu desejava tocá-la a todo o momento, e aquele anseio era completamente desconcertante para mim. E ainda havia a raiva e o ressentimento que transpareciam em seu olhar quando eu me aproximava demais, afundando em meu peito toda vez.

O cheiro das coníferas da floresta encheu minha boca de água, levando-me de volta para uma juventude há muito perdida, correndo entre as árvores com Thor e Baldur. Mas não havia tempo para nostalgia. Com um suspiro, guiei Fenrir até a margem da floresta, na parte de trás do grande palácio.

Assim que Fenrir se abaixou, Afrodite saltou sem esperar por ajuda e afastou-se com a expressão indecifrável. Eu gastei alguns minutos agradecendo e me despedindo de meu lobo, e então me aproximei com cautela.

— Como vamos entrar? — ela sussurrou, olhando para a enorme construção.

— Eu conheço um jeito.

Cobrimos a distância da floresta até a pedra milenar sobre a qual o palácio fora construído. Vinhas, musgo e outras pequenas plantas cobriam a superfície, e eu comecei a tatear o espaço com cuidado.

— Precisamos entrar ou vamos ser pegos — ela chiou. — O que você está fazendo?

Não me dei ao trabalho de responder, pois encontrei o que estava procurando. Debaixo de uma fina camada de vegetação, havia uma pequena runa gravada na pedra. Coloquei a mão sobre o desenho e enviei uma onda de poder em sua direção. A pedra esquentou e a runa tremeluziu, logo antes de dar lugar a um pequeno espaço aberto, onde antes havia rocha maciça.

Encarei Afrodite e sorri com o canto dos lábios.

— Mágica — falei com uma piscadela e abri um braço como um maître dando passagem. — Depois de você, Kypria.

Ela revirou os olhos, mas entrou, abaixando-se um pouco para conseguir passar. Eu fui logo em seguida, e atravessamos o pequeno túnel de pedra, emergindo numa sala escura e com cheiro de poeira. Assim que saí, a montanha voltou à sua aparência original, bloqueando a passagem.

Sem a luz indireta do lado de fora, o cômodo caiu em completo breu, e eu ouvi Afrodite prendendo a respiração. Estiquei a mão em sua direção, tocando-a no braço. Ela enrijeceu o corpo com o contato, mas exalou e depois segurou minha mão com força.

— Onde estamos? — sua voz não era mais do que um sopro.

— Um depósito esquecido. Ninguém vem aqui — expliquei. — Criei essa passagem há alguns séculos, para poder sair sem ser notado.

— Então agora só precisamos encontrar alguma arma divina e sair — ela falou com determinação.

Eu sorri para o escuro.

— Na verdade, vamos pegar uma em específico.

Gungnir era provavelmente uma das armas mais poderosas de todos os reinos. A lança lendária que conquistei vencendo uma aposta contra os anões que a forjaram. Eu a dera a Odin logo depois do retorno de Baldur. Uma oferta de paz. Era hora de usá-la para impedir que o fogo da destruição do mundo fosse aceso. Mas, para isso, primeiro precisávamos chegar até ela.

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