Capítulo XVII

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Afrodite

Quando Ares saiu de cima de mim, estávamos ambos ofegantes. De joelhos sobre a cama, ele me lançou um sorriso preguiçoso e se levantou, saindo do quarto sem preocupar-se em se vestir. Assim que ele deu as costas, meu sorriso malicioso se desfez e eu encolhi o corpo contra os lençóis.

Desde a descoberta da verdade sobre Loki, eu vinha me afundando de bom grado no toque conhecido de Ares e nos planos de guerra e vingança. Aquilo mantinha minha mente ocupada. Uma anestesia e um propósito, pois a raiva era infinitamente mais fácil de lidar do que a tristeza que me espreitava todo o tempo.

Em momentos de silêncio como aquele, entretanto, as lembranças vinham como uma névoa fria ao meu redor. Cada palavra trocada, cada segredo compartilhado, cada carícia naquela última noite... Tudo mentira. E agora essas memórias eram fantasmas que me perseguiam para lembrar a traição. Loki não tinha apenas mentido para mim, ele me usara como um joguete, corrompendo os meus mais profundos valores em benefício próprio.

Ares voltou com um copo de água estendido em minha direção e eu agradeci ao aceitar. Ele andava carinhoso nos últimos dias, e mais do que feliz com minha mudança de opinião em relação à guerra.

— As opiniões estavam divididas até ontem — continuou o assunto que havia começado antes de me ver saindo do banho mais cedo e se jogar em cima de mim —, mas com o testemunho de Perséfone, eles finalmente acreditaram em mim. Os únicos que continuam indecisos são Zeus e Hera, malditos. Mal posso esperar para vê-los cair.

Claro.

Ares havia usado o episódio no Palácio de Knossos para incitar o conflito do Olimpo com Asgard. Em sua campanha, ele dizia que, mesmo banida, eu ainda era um deles, e uma ofensa contra um de nós, era contra o reino todo. Uma filosofia que eu prezava. Ele ter contado a todos sobre o ataque no museu sem o meu consentimento era algo que eu guardaria para resolver depois de ter meus poderes de volta.

— E o que você pretende fazer a respeito disso? Sem os dois, não adianta nada.

— Eles vão ceder à pressão — dispensou a preocupação com um gesto de indiferença. — E então, a Terra vai conhecer o que é uma guerra de verdade — suas íris brilhavam num vermelho incandescente, quase maníaco.

Meus sentidos entraram em alerta e eu me sentei num salto.

— Como assim a Terra vai conhecer a guerra? O ataque não é contra Asgard?

— As defesas deles são praticamente impenetráveis — ele estalou a língua. — É mais fácil atraí-los para fora. E o caos vai ajudar a disfarçar o golpe contra Zeus.

— Mas e os mortais?

Ele deu de ombros.

— Dano colateral.

Ares era o deus da guerra. Já tinha presenciado, incitado e participado de infinitos combates em inúmeros reinos. Muitas vezes, disfarçava-se de humano para poder atuar no campo de batalha entre eles. Mas nunca um embate entre dois reinos imortais havia acontecido em solo mortal. Seria catastrófico.

Pensei nos últimos meses que eu passara não apenas vivendo entre os humanos, mas como um deles. Sentindo, em primeira mão, seu pior e seu melhor. A feiúra da violência e a beleza da arte. A fragilidade e a resiliência. Criaturas imperfeitas, como qualquer deus. E seriam massacrados com um conflito como o que estava prestes a acontecer.

Quando consegui responder, Ares já estava praticamente todo vestido.

— Tem que haver outra forma.

— São apenas humanos, meu amor, existem bilhões deles.

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