Capítulo XIX

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Loki

Eu andava apressado pelos corredores infinitos do Museu de Knossos. Podia vê-la com o canto dos olhos, mas toda vez que virava para encará-la, ela desaparecia. Eu abria porta após porta após porta, procurando. Em cada sala, os pedestais e redomas, ao invés de artefatos, estavam cheios de fotos.

O som estridente da campainha me fez dar um salto desengonçado na poltrona, despertando-me. Esfreguei as mãos no rosto e apertei os olhos, tentando enxergar na penumbra. A sala estava um caos. A mesa de centro quebrada, garrafas pela metade e restos de comida espalhados pelas superfícies. Eu não me lembrava quando tinha pegado no sono e nem sabia que horas eram, mas parecia tarde.

Eu havia dispensado todos os empregados e praticamente enxotado Baldur. Não precisava de sua repreensão, e não suportaria sua pena. As ordens eram expressas para que eu não fosse perturbado. Cheguei a considerar sair da casa de Creta e ir para qualquer outro lugar em Midgard, mas uma espécie de apego masoquista me mantivera ali, convivendo com os fantasmas e as lembranças.

A campainha tocou de novo. Fiz uma careta com a pontada que o som lançou pelas minhas têmporas. Afundei outra vez na poltrona e cruzei os braços, esperando quem quer que fosse desistir e ir embora. Mas antes que eu pudesse completar uma respiração, o som desagradável invadiu a casa outra vez, agora ininterrupto. Levantei-me com uma carranca e bati os pés até a porta, abrindo-a num arranco, pronto para vaporizar quem estivesse perturbando minha paz.

A brisa fresca invadiu o ar parado da casa, mas o arrepio que percorreu minha pele não foi por frio. Todas as ofensas que eu estava pronto para proferir desceram pelo ralo e senti o sangue fugindo de meu rosto.

Afrodite parecia exausta. Seus cabelos estavam desgrenhados e seu rosto macilento ostentava fundas olheiras. Os olhos, entretanto, estavam alertas. Um pouco vidrados, talvez. Não muito diferente de como eu deveria aparentar, refleti no fundo da mente.

— Você está bem? — falei a primeira coisa que me veio à cabeça.

Minha mão moveu-se quase que por vontade própria em sua direção, implorando para alcançá-la. A preocupação mascarando os outros sentimentos por um momento. Ela enrijeceu todo o corpo e sibilou:

— Não me toque — a raiva queimou em suas faces. — Eu só vim porque não tenho outra opção.

Meu braço congelou suspenso por um segundo e então pendeu inerte ao lado do meu corpo. Respirei fundo e dei um passo para o lado, convidando-a silenciosamente para entrar. Vi seu maxilar se contrair, mas ela não hesitou. Caminhou com passos firmes para o lado de dentro, tocando o interruptor no meio do caminho com uma naturalidade que fez meu estômago se contorcer.

A luz preencheu a sala e Afrodite deu uma rápida olhada ao redor. Sua expressão não revelou nada, mas o constrangimento invadiu meu rosto e pescoço em forma de um intenso calor. Fechei a porta enquanto praguejava mentalmente por não ter escondido a bagunça com uma ilusão antes de atendê-la.

— Bom, o que houve? — perguntei de uma vez, tomando o cuidado de manter alguns metros de distância entre nós.

Não havia espaço para gentilezas ou formalidades. E, pela forma que ela contorcia as mãos, eu soube que também não havia tempo. Algo grave tinha acontecido. Seria a única explicação plausível para Afrodite recorrer a mim depois de tudo.

Ela me encarou por um momento com os olhos estreitos, como se questionasse se deveria mesmo me contar. Enfim, suspirou e desatou a falar. As palavras vieram como um fluxo torrencial e, por vezes, confuso. Ela mal respirava entre uma frase e outra, gesticulando cada vez mais exasperada. Demorei um tempo até conseguir captar a narrativa de forma que fizesse sentido.

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