Capítulo XVI

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Loki

— Para alguém tão inteligente, irmão, é surpreendente o quanto você consegue ser estúpido — Baldur estalou a língua.

Rolei os olhos sem me dar ao trabalho de dignificá-lo com uma resposta. Ajustei a gravata cinza em frente ao espelho e alisei o terno justo uma última vez, antes de girar sobre os calcanhares e me dirigir à garrafa de whisky sobre a mesinha. Servi uma dose menor que o habitual, pois logo teria que sair.

Eu passara os últimos dias em intensa atividade. Ganhei mais dinheiro do que em praticamente toda a minha estadia em Midgard, e investi bastante tempo em reformular alguns detalhes a respeito da tomada do trono. Com o plano original tendo sofrido alterações inesperadas de última hora, era importante calcular cada passo com cuidado. Mas não seria um problema. Sem a distração dos últimos meses, eu me sentia focado e alerta.

Ouvi os passos de meu irmão se aproximando e virei o rosto em sua direção com um sorriso.

— Tem certeza que não quer vir comigo hoje? — virei o copo e levantei as sobrancelhas em sugestão. — São mafiosos. Nanna nem vai notar.

— Pare de fingir que não se importa, Loki.

— É claro que me importo! — Abri os braços e gesticulei para meu próprio corpo. — Ou não estaria tão bem vestido.

Vi os lábios de Baldur se contraírem numa linha fina e ele suspirou, antes de cruzar os braços e falar com a voz impaciente:

— Então, é isso? Você vai deixar Afrodite escapar assim?

Afrodite. Eu evitava até pensar em seu nome, ultimamente. Como se pronunciá-lo, mesmo que apenas em pensamento, conjurasse sua imagem bem à minha frente, encarando-me com aquela expressão impenetrável que ela tinha logo antes de se abraçar com Ares e desaparecer. Senti uma veia pulsando em minha têmpora.

— Ela foi porque quis — não consegui conter o rosnado enquanto olhava fixamente para a garrafa da qual eu resolvi que queria mais uma dose.

— Não, seu idiota, ela foi porque não tinha escolha.

Baldur soou irritado como eu não o via há séculos quando respondeu. Isso atraiu meus olhos de volta em sua direção. Seu olhar era severo sobre o meu, uma pequena luz esbranquiçada ao redor de suas íris azuis claras. Encarei-o sem reação por um momento, tanto por causa de sua conduta quanto por suas palavras. Ele prosseguiu:

— O cara é o próprio deus da guerra!

Aquilo fincou meu ego como um espinho. Senti meu corpo contraindo de raiva enquanto um calor subia às minhas bochechas.

— Você acha que eu não daria conta de enfrentá-lo? — cuspi de volta.

Você daria conta, mas o que um combate dessas proporções causaria a ela, aqui com os dois, num corpo mortal? — Ele falava rápido e categórico, mas sem levantar a voz um segundo sequer. — E você é inteligente o bastante para saber que ele não é um mafiosinho qualquer de Midgard, Loki. Ele é um deus, assim como você, e haveria risco inegável para os dois.

Eu pisquei, meu queixo pendendo levemente enquanto absorvia aquele turbilhão. A expressão de Baldur se suavizou e ele pousou a mão em meu ombro com gentileza.

— Ela não teve escolha, irmão, justamente porque corresponde a esse mesmo sentimento que você está tentando esconder de si mesmo.

Minha boca secou enquanto a verdade daquelas palavras se instalava sobre mim como um manto espesso. Algo estranho se contorceu em meu peito e enviou ondas de apreensão para cada célula do meu corpo. Lembrei da frase que eu usara antes que ela anunciasse sua partida. "Qualquer uma pode assumir o seu papel." Ela nos protegeu e eu a dispensei. Encarei Baldur com os olhos arregalados.

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