Capítulo IX

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Afrodite

O dia seguinte correu numa agradável calmaria. Acordei tarde, mas não me preocupei em conferir o horário. Investi as horas seguintes sendo devidamente paparicada no spa do hotel, aproveitando os brindes que tínhamos ganhado na noite anterior depois da cena com os italianos. Minha pele e meus cabelos não estavam habituados à vulnerabilidade da condição humana, e as consequências do clima quente e seco de Las Vegas foram remediadas durante um dia inteiro de massagens, hidratações e cuidados. Isso me ajudou a abstrair a desagradável sensação de ver outra pessoa usando o meu colar.

Loki também passou o tempo cuidando de sua própria vida, com certeza enfurnado no cassino outra vez, enganando alguns mortais. Quando nos encontramos novamente, já era hora do jantar. Desfrutamos de uma deliciosa refeição em um dos restaurantes no primeiro andar. Logo depois, ele me conduziu para uma parte do hotel que eu ainda não conhecia.

— Como estavam as mesas de apostas altas? — perguntei enquanto andávamos lado a lado.

— Altas — seu sorrisinho cínico continha o brilho da trapaça. — Você teria gostado.

Fiz uma careta de desprezo.

— Eu não perderia a oportunidade de desfrutar um pouco da sua ausência.

Sua gargalhada ecoou pelo largo corredor. Eu ia completar com mais alguma afronta quando atravessamos um portão grandioso e a visão seguinte roubou completamente minhas palavras. Luxo não era novo para mim. Mas a magnitude daquele local era inexplicável.

O enorme salão circular abrigava um teatro que comportaria facilmente milhares de pessoas. O teto tomava vários andares, com uma cúpula em tons vibrantes de azul, filtrando a luz como vitrais. O mais impressionante, porém, era o que estava no lugar do palco. Ao invés do tradicional chão de tablado, via-se uma piscina gigantesca como um lago, reluzindo sob os holofotes.

Loki esperou que eu absorvesse a cena em silêncio, e então me guiou para uma escada na lateral. Chegamos a uma confortável cabine privativa, com visão privilegiada do "palco". Sobre uma mesa, um balde de champanhe e um belo arranjo com o formato da letra "O". Dentro da letra, uma linda figura muito parecida com uma oceânide, uma ninfa do mar.

O? — franzi as sobrancelhas.

Eau — ele corrigiu, falando em um sotaque francês. Água.

Tomei um gole do champanhe refrescante e não fiz mais perguntas. Estava intrigada e curiosa, mas queria viver aquela experiência em primeira mão. Não demorou muito até as luzes diminuírem e a agitação das pessoas que chegavam para a apresentação cessar.

Pelas duas horas seguintes, eu fui transportada para uma outra dimensão. Dezenas de artistas em figurinos impecáveis arrancavam exclamações do público com seus números que deixariam as próprias musas do Olimpo impressionadas. Eles transformavam a água, o ar e até o fogo em meros brinquedos com seus corpos habilidosos. Mais de uma vez, eu me peguei gargalhando com as peripécias dos palhaços em chamas, ou prendendo a respiração ao ver uma manobra aérea extraordinária que finalizava num incrível mergulho. A história era linda e a orquestra deixava tudo ainda mais grandioso e tocante.

Quando o espetáculo acabou, meus olhos estavam marejados. O teatro explodiu em aplausos, mas eu permaneci imóvel, vendo a imensa cortina vermelha se fechar. Ali, eu refleti, morava a verdadeira beleza. Não no formato de um corpo ou um rosto. Mas na capacidade de moldar o mundo e despertar um sentimento avassalador. Os humanos possuíam esse poder enraizado em suas almas e nem ao menos se davam conta disso.

De soslaio, percebi que Loki também estava quieto. Ao virar meu rosto, encontrei seus olhos verdes me observando. Ele sorriu de forma suave. Sustentei seu olhar e retribuí o sorriso. Era a primeira vez que eu o via com uma expressão tão terna.

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