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Meus olhos se mexeram por baixo das minhas pálpebras, que continuavam fechadas

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Meus olhos se mexeram por baixo das minhas pálpebras, que continuavam fechadas. Procuro por forças para as abrir e poder ver o que estava acontecendo comigo e entender o motivo da tamanha dor que se espalhava por todo o meu corpo.

Não obtive sucesso.

Algo apitava próximo ao meu ouvido e aquilo fazia a minha cabeça doer ainda mais.

Respiro fundo, me arrependendo amargamente quando sinto uma dor forte em meu tórax pelo simples movimento. Um resmungo conseguiu escapar pelos os meus lábios entreabertos e eu movi o dedo devagar, afim de mexer o meu braço.

Solto outro resmungo, dessa vez de frustração.

Como não conseguia mover o meu corpo, me obriguei a lembrar dos últimos acontecimentos. Alguns flashs de memórias tomaram a minha mente e eu senti uma pontada na cabeça, ouvindo o barulho ao lado ir mais rápido.

Minha respiração ficou descompassada quando eu lembrei do momento da batida e meus olhos se abriram no mesmo segundo, arregalando-se e não se importando nenhum pouco com a claridade do local onde eu estava.

— Ainê! — Digo e, mesmo que a minha intenção fosse gritar, a minha voz sai quase como um sussurro.

O barulho continuou e eu apertei os olhos com força, querendo fazer aquilo parar, mas só consegui lembrar de outras coisas. Como o grito desesperado da minha mulher.

E então, antes que eu pudesse chamar por ela novamente ou tentar a procurar, a escuridão voltou a tomar os meus olhos.

*

Uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto e aquela pareceu doer mais do que todas as outras que eu havia derramado nos últimos dias.

Depois de ter recebido diversos abraços, tapinhas nas costas e nos ombros, palavras de conforto que não adiantariam de nada, eu estava sozinho.

Não totalmente sozinho. O túmulo da minha mulher estava bem na minha frente e por mais que eu tentasse, não conseguia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Não conseguia crer que eu havia acabado de enterrar o amor da minha vida.

A única coisa que passava pela minha cabeça era que eu quem deveria estar a sete palmos debaixo da terra.

Eu quem estava dirigindo. Eu quem perdi o controle depois de me distrair minimamente com o volume do aparelho de som do meu carro e no fim acabei cometendo um acidente. Não foi ela.

Aquilo não era nenhum pouco justo.

Outras lágrimas molharam o meu rosto e eu me ajoelhei sobre a grama, tocando a placa com o nome de Ainê marcado. Logo baixo estava a data de seu nascimento e a de sua morte.

— Me perdoa, meu amor. — Peço entre soluços.

*
semanas depois

A campainha tocou e eu ignorei, continuando a olhar para a foto em minhas mãos e fazendo carinho na imagem de Ainê como se ela estivesse bem ali na minha frente e eu estivesse sentindo o macio de sua pele outra vez.

O som da campainha ecoou pela casa silenciosa novamente e eu suspirei.

Já havia deixado claro para todo mundo que eu não queria ver ninguém ou receber visitas. Olhares de pena não era o que eu estava precisando naquele momento. Comentários do tipo "vida que segue", "esse é o fim de todos nós", "ela está em um lugar melhor", não era o que eu queria ouvir.

A minha vida não iria seguir. Eu tinha a sensação de ter sido sepultado junto com a minha mulher.

Como a pessoa do outro lado não desistiu, eu levantei e me arrastei até o andar de baixo. Caminhei até a porta principal e abri a mesma, não me importando com a minha aparência, que com certeza estava péssima, ou nada do tipo.

Talvez aquilo até afastasse a pessoa que ali estava e então eu poderia ficar em paz, jogado na minha cama e olhando todas as fotos de Ainê existentes naquela casa.

— Oi, Coutinho. — Raphaelle disse baixo.

Ela era uma das melhores amigas de Ainê e sempre que possível estávamos juntos. Por um breve instante eu me senti mal por não ter me preocupado em saber como ela estava com aquilo tudo, mas fiquei um pouco melhor quando lembrei que Raphaelle era parecida comigo no quesito se afastar para se virar sozinha com os próprios sentimentos.

Sabia que ela entendia o meu lado, assim como eu a entendia por não ter me procurado.

— Oi, Rapha. — Sussurro.

— Desculpa por vir aqui de repente, mas... — Ela se interrompeu e respirou fundo, parecendo pensar sobre como falaria o que queria. — Você lembra que eu seria a barriga de aluguel de você e da... da...

Sua voz embargou e eu engoli em seco, implorando para que ela não começasse a chorar ali. Não sabia lidar com a minha própria dor e provavelmente também não conseguiria a ajudar com a dela.

— Lembro. — Digo, para que ela não precisasse continuar.

A ideia surgiu quando Ainê e eu decidimos ter um filho. Tentamos por meses engravidar e depois de não conseguirmos, a minha mulher foi até um médico e foi indicada para fazer alguns exames, o que nos fez descobrir que ela não poderia gerar um bebê.

Foi um choque para ambos, mas a vontade de ter um filho continuou e ela pensou em barriga de aluguel.

A primeira pessoa que veio na nossa mente foi Raphaelle e ela topou de imediato, ficando demasiada empolgada em participar daquilo e nos ajudar a realizar um sonho.

Aproximadamente duas semanas antes do acidente, fizemos a primeira tentativa.

Seu olhar não desviou do meu um segundo se quer e eu levei um momento para entender o que a mulher a minha frente estava querendo falar, mas não conseguia.

— Você... você... — Murmuro, descendo o olhar para sua barriga.

— Estou grávida.

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Recomeço ━━ Philippe CoutinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora