Mills
Subi cada degrau como se o peso do mundo estivesse em minhas costas. Havia passado a mão no rosto e tentando disfarçar o borrado da maquiagem. A polícia havia chegado, a ambulância também, o corpo de Killian estava estendido aonde eu o havia deixado.
Precisava contornar a situação e encarar uma sala cheia de adolescentes curiosos. Todos na escola sabiam que acontecia algo de errado. É claro, que escutaram as sirenes e viram parte da movimentação.
Eu repassava cada detalhe na memória, e só conseguia pensar em como tudo aquilo tinha acontecido. Deveria ter segurado Killian em minha casa, e o levado direto para uma conversa com Archie ao amanhecer.
Cheguei na parte superior. Já havia batido o sinal, era programado, e aquela falsa normalidade de um dia letivo comum habitava nos corredores. Por aquele horário, e por ironia do destino, eu deveria estar na sala de Killian Jones.
Vi ao longe Leroy segurando a porta. Como se estivesse impedindo os alunos de saírem. Ao chegar perto, tive a certeza disso. Estavam agitados. As outras turmas também deveriam estar inquietas, mas estavam em aula com seus professores. A sala de Killian além de estar sozinha, pois eu estava lá embaixo, tinha Swan e Lucas que viram e escutaram Zelena no pátio. O cenário de caos instaurado naquele ambiente era gritante.
Swan forçava a fechadura da porta. Enquanto Leroy pela parte de fora a segurava.
— Essa garota não está no seu estado normal. — disse olhando para mim, se referindo à ela.
Não era apenas ela que fazia menção de sair da sala. Mas Swan liderava a situação eufórica.
— Tudo bem! — olhei pela janela da porta. Ele estava apenas tentando fazer o que Zelena havia pedido, não deixar nenhum aluno descer.
Leroy afastou-se. Abri a porta. Assim que o fiz, toda a força que Swan fazia para abri-la, cessou. Ela titubeou.
— Todos para trás! — disse no meu mais alto tom de autoridade. E eles, a contragosto, direcionaram-se a seus lugares.
Swan observou a movimentação, mas pouco se afastou da porta. Me observou atenta.
Estaquei na porta e a encarei. Um pouco mais atrás, podia ver Ruby Lucas sentada em uma mesa ao lado de Belle, seus olhos estavam totalmente vermelhos.
Pude escutar Leroy fechar a porta novamente.
— Cadê o Killian? — Swan perguntou nervosamente.
— Zelena está lá em baixo e está tomando todas as providências. — falei tentado parecer firme.
— Eu preciso falar com ele. — disse passando a mão no cabelo inquieta.
— Nenhum aluno pode descer agora. — tentei contornar a situação.
— Essa ambulância foi por causa dele, não foi? — perguntou, e a insegurança podia ser notada em seu tom de voz.
Respirei fundo. Balancei a cabeça em afirmação.
— Sim, foi. — respondi, ainda tentando me conformar.
Swan arregalou os olhos. Ruby voltou a chorar. O silêncio que se fez na sala foi sepulcral. Estavam apreensivos. Me olhavam assustados, e no fundo, já sabiam que eu era a mensageira de uma triste notícia.
Swan passou as mãos trêmulas pelo rosto. Parecia que toda aquela ância por descer havia se esvaído, e a sua coragem junto à ela.
Depois de alguns instantes, pude voltar a ouvir sua voz.
— Ele vai ficar bem, não vai? — falou em um fio de voz. E eu pude ver um lágrima furtiva escapar pelo seu olho. Dava para perceber que fizera a pergunta, mas estava apavorada em escutar a reposta.
Balancei a cabeça em negação. E aí foi a vez de uma lágrima rolar pelo meu rosto. Tentei respirar fundo. Mas o ar me faltou.
— Não! — engoli seco — Ele não vai ficar bem. — falei com a voz inevitavelmente embargada.
Swan arregalou os olhos. E as lágrimas já escorriam sem pudor pelo seu rosto. Ruby soluçou alto, Belle a abraçou.
Passei a mão nervosamente pelos cabelos os colocando atrás da orelha, mirei o teto, tentei conter as demais lágrimas que queriam sair.
— Não. — Swan disse baixo. Parecia falar mais consigo mesma do que com qualquer pessoa ali — NÃO ! — gritou e deu um passo à frente. NÃO! EU NÃO ACEITO ISSO! — desviou de mim e colocou a mão na maçaneta da porta e a forçou. Leroy usou da mesma força do lado oposto, e a fechou novamente. Instintivamente, tirei sua mão da maçaneta. Ela se desfez bruscamente do meu contato e repetiu o gesto. Peguei a sua mão com força e a empurrei para trás.
— A POLÍCIA NÃO AUTORIZOU A IDA DE NENHUM ALUNO LÁ EMBAIXO! — gritei, mas ela parecia não escutar. Fez novamente o movimento para abrir a porta. Então entrei em sua frente com o corpo inteiro. Ela tentou desviar para o outro lado, mas espelhei o seu movimento. Seu choro já era desesperado.
Mesmo eu estando em sua frente ela conseguia esticar o braço e alcançar a porta, forçando-a. Empurrei, ela deu um passo para trás. — Eu preciso ver ele! — repetiu o movimento. E então para não machucá-la mais, passei os braços em volta de sua cintura, segurei firme. O movimento foi brusco devido a força que ela usava. Mas finalmente a contive. O corpo dela retesou.
— Ele se foi, Swan! — disse baixo perto de seu ouvido. E só então ela teve um choque de realidade. — Ele se foi. — repeti em um tom triste ainda perto de seu ouvido. Foi a hora que ela desabou! Seus braços que estavam esticados tentando abrir a porta praticamente tombaram sobre meu ombro. Seu corpo tremia em um soluço contínuo. O choro era alto e desesperado. Abaixou a cabeça e afundou o rosto em meu pescoço e eu podia sentir suas lágrimas molhando minha pele.
Ali, no meu abraço desajeitado, a mulher que estava desabrochando em Swan chorou feito uma criança pequena. Eu a sentia quebrando. Tristemente tinha a sensação que cada pedaço seu balançava junto aos tremores de seus soluços. Podia sentir seu corpo tremer na dor de sua perda.
Levantei um dos meus braços e levei minha mão até seus cabelos. Fiz um carinho suave e inseguro.
— Pode chorar. — falei em um sussurro. E então ela chorou mais. Chorou e colocou para fora cada soluço contido. Meu pescoço abafava os sons de sua agonia. Mas não a intensidade de seu sofrimento, que praticamente era palpável.
Escutar o choro doído de Swan em meu ouvido. Com o eco, ao longe, do mesmo sofrimento de Ruby Lucas, foi uma das coisas mais difíceis que já passei em minha vida. A imagem de Killian perdendo as forças diante de mim minutos atrás me voltou à cabeça. E eu sabia que não seria algo fácil de esquecer.
Ficamos ali. Não sei dizer quanto durou esse momento, mas durante esses instantes, não se escutava mais nenhum outro som na sala além dos soluços de ambas as garotas.
Depois de um tempo pude perceber que Swan foi tremendo menos, retomando controle de seu corpo. E sua respiração se normalizando em meu pescoço.
— Acho melhor você sentar. — falei outra vez perto de seu ouvido, ainda tinha a mão em seu cabelo. Ela apenas fez que sim com a cabeça, mas manteve o rosto em meu pescoço.
Por cima do ombro dela fiz sinal para August Bhooth trazer uma cadeira . Ele o fez prontamente.
Fiz o movimento a afastando um pouco de meu ombro, a levei em direção à cadeira. Ela sentou de cabeça baixa. August voltou com uma garrafa de água, me entregou.
Abaixe na frente dela, apoiei uma mão em seu joelho para me equilibrar melhor. Procurei por seu olhar. Seus olhos estavam inchados.
— Toma devagar. — falei mantendo o contato visual, entreguei a água já destampada. Ela aceitou, bebeu lentamente, respirando fundo entre um gole e outro.
Precisamos ficar ali durante mais meia hora. Tivemos que esperar até a polícia levar Peter, aluno do terceiro ano, algemado. Para isso só foi preciso ver as últimas mensagens que Killian trocou em seu celular. As provas eram concretas e irrefutáveis.
Zelena dispensou todos os alunos e professores da escola. Ao descer, era claro que o corpo de Killian já não estava mais lá. Pude ver Ingrid levar Swan e Ruby Lucas para o estacionamento. Provavelmente minha irmã havia ligado para ela. Realmente, Swan não tinha condições de dirigir. Elas saíram abraçadas e ainda chorando. Ver aquela cena doía.
Fui em direção ao meu carro. Precisava de um banho. Ansiava por minha casa. Fora despejada toda uma carga emocional sobre mim que não estava me fazendo bem. Nem nos meus piores dias eu poderia imaginar algo assim.
***
— Ela está magoada comigo. — Zelena disse ao me abraçar apertado e me dar um beijo no rosto assim que eu entrei no velório.
— Não está falando com você? — perguntei procurando Swan com o olhar entre os presentes.
— Falou, mas sinto a mágoa em seu tom de voz. — Zelena me respondeu enquanto apertava a mão de Robin que estava ao meu lado. — Bom dia, Robin.
— Bom dia! Quem está magoada? — ele perguntou baixo querendo entender a conversa.
— Emma Swan. — Zelena respondeu, e Robin assentiu com a cabeça. Ele já sabia de toda a história do dia anterior. Assim que cheguei em casa havia desabafado.
Robin tinha ficado com Henry enquanto eu me tranquei no quarto tentando apagar da memória as cenas que insistiam em ecoar em minha mente.
Zelena me mandou mensagem avisando sobre o horário do velório, que começou tarde da noite. Mas eu não tinha emocional para estar presente desde o início. Tomei um calmante para dormir. Acordamos cedo, levamos Henry à escola. E agora estávamos ali, iríamos acompanhar o final do velório e o enterro.
Não havia muita gente presente . Alguns colegas de classe de Killian Jones, pessoas que conhecia de vista por trabalharem no Granny’s, alguns professores e funcionários da escola, já que as aulas haviam sido suspensas, outros jovens que acreditei serem do abrigo onde ele morava. E, é claro, Ruby Lucas, acompanhada por sua avó, que chorava bastante, Emma Swan e Ingrid.
Pude ver o momento em que Swan nos avistou de longe. Ela passou os olhos por mim e Robin, analisou por alguns segundos , e logo em seguida, a vi sumir pela sacada que tinha atrás da decoração posterior ao caixão.
— Dê um tempo à ela, Zelena. Ainda é tudo muito recente. — falei e fiz um carinho no rosto de minha irmã. Ela suspirou tentado se conformar. — Elas estão aqui desde que horas? — perguntei me referindo às garotas.
— Segundo Ingrid, desde o momento que o corpo foi liberado. Elas não dormiram nada.
— Devem estar exaustas ! — conclui em um tom triste. Zelena balançou a cabeça concordando.
Circulei pelos presentes cumprimentando-os, Robin me seguia e fazia o mesmo. Passamos pela senhora Lucas e Ingrid, apertamos suas mãos.
— Eu sinto muito! — disse ao chegar perto de Ruby Lucas, senti meus olhos marejados.
— Obrigada, professora Mills. — me sorriu triste. Nos abraçamos.
Robin em seguida a cumprimentou com um aperto de mão.
— Vou até o caixão. — disse, e ele entendeu que aquele era um momento meu, afastou-se, foi em direção à Zelena. Me aproximei, e me despedi mentalmente de Killian.
Aquela carga emocional do dia anterior, mais precisamente do momento de sua morte, me acometeu novamente. Respirei fundo. Sai pela primeira porta que vi. Precisava de ar!
— Você conseguiu se despedir dele. Simplesmente tiraram de mim essa possibilidade. — ao escutar a sua voz vindo, me atentei que era a mesma porta pela qual vi Swan entrar.
Debrucei sobre o para peito da sacada, apertei minhas mãos ali.
— Não seja tão dura com ela. — disse ainda de costas. — Zelena só estava fazendo o seu trabalho.
Escutei um suspiro conformado.
— Eu sei. — fez uma pausa — Mas isso não quer dizer que doa menos.
Virei para vê-la, apoiei minhas costas no parapeito. Swan estava sentada em um banco ao lado da porta por onde havia entrado. Ao fundo podia ver o espaço aonde acontecia o velório.
Olhei em seus olhos, o cansaço era nítido. Estava muito abalada.
— Pelo menos você guardará a imagem de seu amigo saudável na memória. — falei mantendo o contato visual.
— A última imagem que terei dele, será naquele caixão. — falou em tom de mágoa, apontou para a sala adiante.
— Pelo menos não é a imagem dele agonizando. — disse com a voz alterada, lembrei das imagens do dia anterior.
Swan fez uma expressão receosa.
— Desculpe. — ela disse baixo. Percebeu a minha agonia. — Não deve ter sido fácil.
— Não. Não foi! — respondi olhando o chão.
— Ele gostava de você. — falou em um tom ameno.
— Eu sei. — dei um sorriso triste — Era recíproco. — levantei a cabeça para olhá-la mais uma vez.
— Regina, Zelena está procurando por você. — Robin entrou na sacada indo em minha direção, sem perceber que eu não estava sozinha. Estacou ao perceber a direção para onde eu olhava.
— Me desculpe! — falou olhando para Swan — Eu não tinha te visto. — finalizou sem graça.
— Robin, esta é Emma Swan — falei indicando com a mão.
— Eu sinto pela sua perda. — Robin falou educadamente fazendo um aceno de cabeça.
— Obrigada. — Swan respondeu educada e séria.
— Eu já estava indo. — falei quebrando aquele silêncio que se instaurou depois do cumprimento entre eles.
— Com licença, professora Mills, eu queria te entregar isto. — Ruby Lucas entrou na sacada seguida por Zelena. E me estendeu um convite.
Peguei sem saber do que se tratava. Mas pude ver que Zelena também tinha um papel parecido na mão.
— Killian comprou para vocês. Seria a comemoração do aniversário dele. — alternou o olhar entre mim e minha irmã — ele iria convidá-las. São entradas para o parque de Storybrooke. Claro que não tem mais clima para ir aos brinquedos. Mas será a inauguração da fonte luminosa. Killian estava eufórico para ver. Emma eu vamos em homenagem a ele. — olhou para Swan e uma lágrima desceu pelo seu rosto — Não queremos que algo que ele planejou tanto, passe em branco.
Olhei o ingresso em minha mão, e um nó veio em minha garganta.
— Seria uma honra, senhorita Lucas. — tentei conter as lágrimas, mas uma escorreu pelo meu rosto, enxuguei rapidamente com a mão.
Ruby me sorriu em reposta. Swan me observava de onde estava.
Talvez mais triste do que aquele velório e o enterro que estava por vir, seria estar em um lugar onde a comemoração à vida , daria espaço ao lamento à morte. Não sei se estava preparada para isso.
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Cinza das Horas (Swanqueen)
FanfictionRegina Mills é ex-prefeita de Storybrooke, volta a lecionar Literatura na escola da cidade depois de dois mandatos bem-sucedidos. No seu primeiro dia de aula, conhece Emma Swan, uma jovem atleta, que será sua aluna. Emma não pretende ficar muito tem...