Tão acima de mim... tão linda e rara...

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Mills
 
— Quase perdeu o início do filme. — Ariel virou-se para mim assim que me acomodei na cadeira ao seu lado. Estávamos no auditório 2, e seria apresentado o filme baseado no livro “Orgulho e preconceito” de Jane Austen.  Um pouco mais adiante pude ver Swan sentar-se ao lado da senhorita Lucas. Tínhamos chegado juntas.  Demoramos  mais do que o planejado no passeio com Rocinante. Vimos o por do sol até o final. Ainda sentia o calor da mão  de Swan na minha. Eu não sabia  dizer o que aquele fim de tarde ao lado dela tinha causado dentro de mim. Estava me sentindo estranha.
 
— Acabei demorando mais do que previa.  — dei um sorriso sem graça, mas não  me estendi em detalhes.
 
Apagaram as luzes. Instintivamente olhamos em direção à tela. O filme começou.
 
Depois da sessão, Ariel foi com os alunos e Leroy para o refeitório, pois já estava na hora do Jantar.
 
Aproveitei este período para ir até o Jardim Japonês.  Sentei em um banco. Olhei o céu.  As estrelas estavam bem visíveis, e a noite, linda.  Me lembrei mais uma vez do passeio a cavalo. Do corpo de Swan aconchegado ao meu. Fechei os olhos e pude sentir o  cheiro de seus cabelos.  Do seu dedo fazendo um carinho receoso em minha mão. O que Swan estava fazendo comigo? Só de pensar que eu  tinha  respirado aliviada, quando  soube que ela não viria a este passeio. Sorri sozinha, balançando a cabeça.
 
— Não te vi no jantar, professora Mills. — Ruby Lucas passava pelo jardim, provavelmente ia a seu dormitório. Estava sozinha.
 
— Estou sem fome, senhorita Lucas. — falei dando um sorriso amável. Ela também sorriu.
 
—  Sabe professora Mills, eu adorei o filme hoje. — mudou de assunto — Apesar de toda a pressão pelo casamento da personagem, eles até   que faziam um belo casal. Pena que na vida real não  é  assim que acontece. A maioria dos casamentos arranjados não tem amor, e por isso não dão certo.
 
Engoli seco com aquela análise.  Mas ela estava certa.  Não tinha como negar.
 
— Concordo com você, senhorita Lucas. A maioria não tem sentimento algum. — Sorri amarelo. Assistir aquele filme, ou ler algo sobre a obra, sempre me deixava incomodada.
 
— Toma. —  abriu a sacola que estava carregando e tirou dali uma  barra de chocolate. Me estendeu. — Acabei de pegar alguns na máquina da recepção.
 
— Eu não costumo comer esse tipo de alimento, senhorita Lucas. — respondi educada. 
 
— Comer besteiras me ajuda quando  estou triste ou pensativa. —  me lançou um olhar de análise. E continuou esperando que eu pegasse o chocolate. Ponderei por alguns instantes, ergui a mão e o peguei.
 
Ela saiu em silêncio. Acompanhei seus passos com o olhar até vê-la sumir depois das árvores.
 
Suspirei olhando para o céu novamente.  Eu estava confusa. E um pouco inquieta. Abri o chocolate e comecei a comer. Queria fazer o máximo de hora ali. Quem sabe tivesse a sorte de ao voltar para o quarto, Swan já estar dormindo, como na noite anterior. Era nessa esperança que eu me agarrava.
 
***
 
Quando abri a porta do quarto as luzes já estavam apagadas, mas  a tv, ligada. Vi Swan com o controle na mão, procurando algo no catálogo da Netflix. Ótimo! Parte do meu plano já havia falhado. Deus, qual a dificuldade de ela já estar dormindo?
 
Estava  deitada, o lençol tampava praticamente o seu corpo inteiro. Apenas era possível ver sua perna esquerda para fora do lençol. E em seu joelho havia uma bolsa de gelo.
 
— Oi. —  ela falou com um sorriso tímido.
 
— Oi. — respondi séria olhando para  seu joelho — Está com dor?
 
— Ah, não. — balançou a cabeça — tenho que fazer isso com frequência, faz parte do meu tratamento.  — explicou.
 
Apenas meneei a cabeça demonstrando que havia entendido. Me dirigi a meu armário e comecei a pegar algumas coisas. Swan acompanhava com olhar o que eu fazia.
 
— Vai usar o banheiro? — perguntei olhando para ela — Porque vou tomar banho. 
 
— Não pode ir, estou bem. — disse voltando a olhar para a tv.
 
Entrei no banheiro e tomei um banho demorado. Coloquei um  babydoll verde escuro, com rendas. Por ele ser muito curto, coloquei meu  roupão de seda preto por cima. Me repreendi mentalmente pelo fato de o roupão ser pequeno também. Mas nem nos meus piores pesadelos,  teria a ideia de dividir o quarto com Swan. Bufei pensando em tamanho azar. Escovei os dentes. Deixei os cabelos soltos e naturais. Eles estavam molhados.
 
Quando sai do banheiro Swan estava entretida em um filme barulhento. Comia  um salgadinho de requeijão, o mesmo que Henry costumava comer quando  jogava videogame, revirei os olhos pela referência. Tomava um suco de uva em uma garrafa pequena.
 
 — Tem um suco pra você  no frigobar. — falou me olhando de rabo de olho .— quer salgadinho? —  levantou o enorme saco.
 
— Não obrigada! Aceito o suco. — fui até o frigobar e pude ver Swan me acompanhar com o olhar. Peguei o suco. Virei de frente, o abri, dei um longo gole. Percebi que ela estava percorrendo meu corpo com os olhos. O tecido do roupão era fino, marcava bastante. Swan ergueu a cabeça  e seu olhar se encontrou com o meu, nos perdemos nessa intensidade por alguns segundos.
 
— Fica muito bem com os cabelos naturais, professora Mills. — falou depois de um tempo.
 
— Obrigada! — senti minhas bochechas coragem.
 
— Quem é ela, mamãe? — uma voz infantil veio da tv, e chamou nossa atenção. Olhei para a tela.
 
— O que está assistindo, Swan? —perguntei arregalando os olhos ao ver uma espécie de freira demoníaca na imagem do filme.
 
— Invocação do Mal 2. — falou e puxou o lençol até a altura do queixo — meio que para se proteger.
 
Uma música clássica alta começou a tocar na sala onde estava a personagem do filme. E eu rapidamente me afastei da televisão. Soltei meu suco em cima da cômoda sem nem olhar. 
 
— Melhor você desligar isso! — falei indo rápido até minha cama.  Sentei e cobri as pernas. Liguei o abajur.
 
— Agora que tá ficando BOM Ahhhh... —  gritou quando a sombra da freira demoníaca apareceu andando pela parede, a música clássica voltou a tocar, e mais alto.
 
— Bom? Swan, tire isso! — falei sobressaltada, desviei o olhar do filme.
 
— Tá com medo, professora Mills? — falou em tom debochado com um sorriso no rosto.
 
— Claro que não. — respondi rápido virada para ela, evitando olhar para a televisão.  Vi o sorriso debochado de Swan sumir, simultaneamente  a música clássica da cena parou.  Ela arregalou os olhos ainda mais. Instintivamente  olhei para a tv também. Me arrependi no mesmo instante.
 
As mãos monstruosas da freira pareciam sair da parede e segurar o quadro com seu próprio rosto desenhado.
 
 — Ahhhhhhh... — gritamos em uníssono.
 
— Tira isso! Tira isso! TIRA! — falei batendo a mão no colchão.
 
Swan em vez de pegar o controle, e fazer o que eu havia pedido, desviou o olhar para a parede.
 
— Swan, tira isso! — praticamente gritei. Saí da minha cama e sentei na dela de joelhos tentado pegar o controle de sua mão. Ela imitou a minha posição, e voltou a olhar para o filme, ao mesmo tempo que tentava desviar de mim.
 
— Eu quero ver o que vai acontecer! — levantava o controle para cima, aproveitando ser mais alta que eu. Segurei em seu braço que estava com o controle, com as duas mãos, e o puxei para baixo.  Escutei um grito fino e ensurdecedor vindo do filme. Olhei rapidamente para ele.
 
— Ahhh... — novamente gritamos. A freira tinha saído  completamente da parede e ido para cima da personagem, que caiu no chão.  Swan na hora do susto soltou o controle. Eu rapidamente, o peguei e desliguei a televisão. Respirei aliviada.
 
Soltei o controle na  cama, e só então analisei a situação.  Swan parecia que tinha percebido no mesmo instante que eu, pois ergueu o olhar para mim, envergonhada.
 
Estávamos ambas sentadas de joelhos na cama. Uma de minhas coxas estava entre as pernas dela. Podia sentir a bolsa de gelo em minha pele. Para piorar o constrangimento, Swan usava apenas uma  mini blusa  branca, muito transparente, conseguia ver o contorno de seus mamilos, apesar da pouca  luz do abajur, e uma calcinha minúscula de renda  preta. Engoli seco com a cena.
 
— Me desculpe. — levantei rapidamente da cama dela, sentei na minha.
 
— Eu vou acender a luz. — levantou rapidamente e ao fazer isso a bolsa de gelo caiu no chão. Ela ignorou. Acendeu a luz de costas para mim.
 
Esqueci a maneira como respirava quando pude ver Swan  apenas com um pequeno fio dental preto. Fechei os olhos tentando manter a sanidade. Meu Deus, isso  já é demais!
 
— Vamos dormir de luz acesa! — ela disse fazendo menção de voltar para a sua cama.
 
Levantei rapidamente.  Tentado disfarçar o abalo e ignorar a maneira como estava vestida .
 
— Não.  Vamos dormir com ela apagada. — falei firme, apaguei  a luz.  — Você que durma com seu abajur. Ninguém mandou ficar vendo esse tipo de filme.
 
— Você ficou com tanto medo quanto eu. Tira! TIRA! — fez uma voz de deboche balançando as mãos, acendeu  a luz novamente.
 
— Não seja ridícula, Swan. Não fiquei com medo de nada! — apaguei a luz.
 
— Então, eu vou dormir na sua cama! — falou dando de ombros, virou aquela bunda para mim. Desgraçada!
 
Desviei o olhar.
 
— Então vai ficar acesa mesmo! —  disse e acendi a luz. Passei por ela rapidamente, fui para a minha cama.
 
Swan ficou em pé perto do interruptor com cara de indignação.
 
— Tem mais medo de mim, do que do demônio do filme? — perguntou  incrédula apontando para a tv.
 
— Não seja boba, o demônio do filme não existe. — disse  tirando o roupão e entrando debaixo do lençol  rapidamente.
 
— Pelo que eu li na sinopse,  foi baseado em fatos reais.
 
— Swan, vai pôr uma roupa. —   cobri a cabeça.
 
— Eu durmo assim.— respondeu.
 
— Você não está na sua casa.— falei em tom de repreensão. Pude escutar ela bufando.
 
— Eu ... — começou, mas  a interrompi.
 
— Swan, se você não ficar quieta, vou sair, e te deixar sozinha nesse quarto com o tal  fantasma. — falei impaciente.
 
— Não! — disse rápido — Já parei. Já  pare!
 
Ouvi seus passos até a cama. E a escutei deitar.
 
Depois de alguns minutos tentando dormir com o lençol no rosto. Desisti. Tirei, e pude ver Swan em sua cama.  Ela já dormia. Tinha a respiração pesada. Sua expressão era calma. Seus cachos tampavam um pouco seu rosto e se espalhavam graciosamente pelo travesseiro. Estava de barriga para baixo, uma mão ressonava abaixo do queixo. A camiseta regata, levemente erguida, deixava à mostra parte de suas costas.  Sua pele  tinha a aparência de maciez. Desci o olhar, tentei não fixar atenção ali, mas era humanamente impossível. Me repreendi mentalmente, mas ainda assim, me vi admirando aquela parte de seu corpo. Não era muito grande, mas era perfeita. Céus, como era linda! Soltei o ar que estava prendendo. Me esforcei para virar para o lado oposto, e tentar dormir. Seria uma longa noite, pois tudo o que meu corpo mais queria era justamente  o que me era negado mentalmente.  Apreciar cada pedacinho de Swan, ali tão perto, e tão impossível.
 
***
 
Acordei e como na manhã passada, Swan não estava mais no quarto. Respirei aliviada.  Poderia me arrumar tranquila.  Era domingo e seria o nosso último dia ali. Agradeci  internamente. Estava acabando, Regina. Acabando!
 
Tomei banho, coloquei uma blusinha de alça branca, calça jeans e bota. Cabelos naturais  mais uma vez. Fui ao refeitório.  Sei que estaria vazio, pois ainda era muito cedo,  mas  não queria ficar com Swan no quarto.
 
Cheguei ao refeitório,  me sentei em uma das mesas. Peguei meu celular, mandei mensagem para Robin, perguntando como Henry e ele estavam.  Visualizei, mas não respondi, a mensagem de Zelena, ela estava se desculpando sobre o fato  de Swan ter vindo, e ela não ter me avisado. Respirei fundo. Logo eu estaria em casa e poderia esquecer tudo isso.
 
— Hoje a palestra é sobre Manuel Bandeira. — Ariel se sentou ao meu lado.
 
— Sim. Eu adoro! — falei dando um sorriso contido.
 
Os alunos começaram a chegar. Tomamos café, sem turbulências. Procurava Swan com o olhar a todo o instante, mas não a vi. Senhorita Lucas tomou café acompanhada de Belle French.
 
Fomos ao auditório 1, e já estava pensando em ir procurá-la para saber o que havia acontecido.  Mas para a minha surpresa, ela já estava lá , perto do púlpito do palestrante, conversando com ele animadamente. Quando nos viu entrar,  se despediu  com um aperto de mão e foi até nós.
 
— Bom dia, professora  Ariel.  — Swan cumprimentou Ariel sorrindo — Bom dia professora, Mills. — olhou para mim também  sorrindo. Eu balancei a cabeça em cumprimento. 
 
— Estava falando com o palestrante? — Ariel perguntou curiosa.
 
— Sim. Estou animada, terá  trechos de análise de alguns poemas que eu gosto. — falou, e deu um sorriso  lindo.
 
Ariel e eu nos entreolhamos.
 
— Você animada com Literatura? — Ariel falou debochada — Regina, o que  fez com Emma Swan? — olhou para mim.
 
— Nada!  — disse meio sem graça.
 
— Não me zoa, professora. — Swan falou meio sem jeito. Mas acabou sorrindo com a brincadeira.
 
Ariel alternou o olhar entre nós duas, parecia nos analisar. Mas não disse  nada, apenas ergueu os braços, de forma  teatral, e fez sinal de redenção.
 
Anunciaram o início da palestra. Sentei  perto de Ariel . E pude ver Swan sentar  com Ruby e Belle.
 
No final da palestra, como de costume, um voluntário é  chamado para ler um trecho do livro em análise. Para a surpresa de todos, Swan levantou a mão e se dirigiu ao palco.
 
Abriu o livro com propriedade, como se soubesse aonde ficava cada poema ali. 
 
— “Confissão”— começou a ler. E eu senti um frio na espinha. Conhecia aquele poema. — “Se não a vejo, o espírito a afigura. Cresce este meu desejo de hora em hora...”  — passeou o olhar pela platéia, e parou quando  encontrou com o meu.  — “Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura... Mostrar-lhe o fundo intacto de ternura. Agora embravecida e mansa agora...” — Senti o ar me faltar. Ela parecia saber o poema de cor. — “Mas ela chega, e toda me parece tão acima de mim... tão linda e rara... Que hesito, balbucio e me acovardo.” — falou ao últimos versos sem desviar o olhar. Apertei minha a unhas no estofado da cadeira. E tentei não demonstrar o abalo que aquele poema tinha causado em mim. Eu sentia as minhas pernas perderem as forças, mesmo estando sentada. O que Swan pretendia com isso? A plateia se desfez em aplausos calorosos. Swan  manteve seu olhar no meu, ficamos ali, imóveis, uma fixa na outra. Na pequena bolha que nossa troca de olhares nos proporcionava. O palestrante chegou ao lado dela, e só ai, a vi quebrar o contato  visual comigo,  se virar para ele com um sorriso tímido. As pessoas  ainda batiam palmas. Levantei  rapidamente e sai daquele auditório antes de todos,  precisava de ar.
 
Depois de alguns minutos, vi a movimentação de alunos saindo do auditório. Agora seria o almoço. E eu  queira evitar ver Swan por aqueles  instantes. A sua voz recitando confissão se repetia em minha mente, e era tudo o que eu mais queria esquecer.
 
Não estava com fome. Na verdade, meu estômago estava um estrago. Aproveitei para ir até o haras, apenas me despedir de Rocinante. Não montaria hoje.  Não daria tempo. Depois do almoço, teríamos uma hora livre, e duas  para arrumar as coisas e ir ao ônibus.  Me despedi do meu cavalo e me dirigi rapidamente ao chalé de professor. Queria organizar todas as minhas coisas antes de Swan ir fazer o mesmo. Não podia mais ficar sozinha com ela. Não depois daquele poema.
 
Ao abrir a porta, vi que o quarto estava vazio. Swan deveria estar almoçando ainda. É só arrumar suas coisas e sair, Regina! Tudo havia acabado. Suspirei em um momento de alívio.
 
Comecei a tirar minhas coisas do armário e jogar sobre a cama. Fui até a cômoda e fiz o mesmo. Pude ver em cima do móvel  um livro azul. Ri com a coincidência irônica. Parei o que estava fazendo, e levei minha mão à sua capa.  Contornei  lentamente com o dedo as letras amarelas “Estrada da minha vida inteira: A Cinza das Horas”
 
— É  um ótimo livro. — pude ouvir a voz de Swan atrás de mim. Fechei os olhos em um susto. A escutei encostar a porta do banheiro. Senti um cheiro de sabonete se espalhar pelo quarto. Ótimo! Ela estava tomando banho. Como eu não percebi isso?
 
— Então você realmente está lendo?  — perguntei fingindo não ter me surpreendido com sua presença. Permaneci de costas para ela.
 
—   Desde aquela prova que você aplicou pra mim,  eu quis conhecer mais. — respondeu baixo, escutei seus passos se aproximarem. — Estou lendo “Estrada  da Minha Vida Inteira”, e “A Cinza das Horas” faz parte da antologia. — explicou.
 
Ouvi um suspiro mais alto. Pude sentir que Swan estava bem próxima à minhas costas. Fechei os olhos sentindo o cheiro  de seu perfume.
 
— O livro em sua essência é triste. — continuou, fechei os olhos, eu já podia escutar a sua respiração. — Mas em alguns versos, sinto você.
 
Sorri com aquela frase, balancei a cabeça desacreditada.
 
— Não vejo ligação de “A Cinza da Horas” comigo, senhorita Swan. — respondi ainda de olhos fechados apreciando o calor de tê-la tão perto. Seu rosto já  estava próximo ao meu, mas ela não me tocava.
 
— Não? — perguntou em um tom curioso, aproximando a boca do meu pescoço. Pude sentir sua respiração em minha pele. Me arrepiei. — Então deve ser minha ótica. — finalizou.
 
— E qual seria a sua ótica, Swan? — perguntei baixo, tentando disfarçar a voz que saiu falhada. Mas tenho certeza que ela  percebeu o meu abalo.
 
—"Vi uma estrela tão alta” — começou a recitar o verso ainda mais próxima ao meu ouvido. Um frio subiu pela minha espinha. Fez menção de passar o nariz de leve pelo meu pescoço, mas não encostou. Instintivamente inclinei a cabeça para o lado oposto dando mais espaço para ela.  — “Na minha vida vazia.”— Ela vez o contorno do meu pescoço até meu ombro com o roçar de nariz, apenas respirando em minha pele. — “Por que da sua distância para com a minha companhia?”—  ao terminar o último verso, senti seu anelar tocar levemente  meu pescoço, um pouco abaixo do meu ouvido,  desenhou o caminho até meu ombro. Empurrou a fina alça da blusa que eu usava, ela deslizou pelo meu braço. Senti um beijo suave em meu ombro. Levei um susto. Virei rapidamente o rosto dessa vez na mesma direção em que Swan estava.  Mas mantive os olhos fechados.
 
— Não faz assim, Emma. — disse e minha voz quase não saiu. Ela encostou seu nariz na minha bochecha. Pude escutar um sorriso satisfeito vindo de seus lábios.
 
— Fala de novo? — disse com a boca perto do meu rosto. Sua respiração estava acelerada.
 
— Falar o quê? — perguntei em um sussurro, abri os olhos. A vi fazer o mesmo, também estava de olhos fechados.
 
— O meu nome. — respondeu aprofundando o olhar no meu. Perdi o fôlego com a intensidade do desejo que tinha ali.
 
— Emma. — disse lentamente, como se estivesse sentindo o gosto de cada letra. Devolvi o olhar na mesma intensidade enquanto repetia o que ela me pediu.
 
Na mesma hora, senti suas mãos apertarem forte a minha cintura.  Ela me virou de frente para ela e me imprensou entre seu corpo e a cômoda. Só então pude ver  que  Swan usava apenas um roupão de seda branco.
 
— Nunca pensei que meu nome poderia soar  tão sexy. — falou e apertou ainda mais minha cintura com as mãos.
 
Parou seus movimentos, afastou alguns centímetros. Pegou uma das pontas do laço do roupão, estendeu para que eu pegasse. Hesitei por um momento.  Mas só até ela abrir um sorriso  safado.  Swan queria me matar de tesão, e estava tendo sucesso! Ainda a encarando nos olhos, levei a minha mão a ponta do laço, puxei sem delicadeza. Ela titubeou com a intensidade do movimento brusco,  mordeu o lábio inferior.  Estava tão excitada quanto eu, era visível. O roupão começou a deslizar pelo seu ombro pude ver traços de sua lingerie.
 
Abaixei o olhar para o seu corpo. Swan levou as mãos para as laterais do roupão e o ajudou a escorregar. Prendi  o ar assistindo o tecido chegar ao chão. Engoli seco, quando pude ver o seu corpo coberto apenas  por uma pequena  lingerie de renda preta.   Percorri com o olhar cada parte de seu corpo. Swan era perfeita!  Voltei a olhar em seu rosto. E lá estavam aquelas  orbes verdes, mais escuras do  que nunca, transbordavam luxúria. Ela avançou sobre mim.
 
Colou nossos corpos. Fechei os olhos  e  segurei em seus braços, cravei as  minhas unhas ali.  Dei um suspiro  quando senti o seu corpo quase nu encostar no meu.
 
Passou seu nariz pelo meu pescoço. E levou sua boca ao meu ouvido.
 
— Eu vou beijar você. — falou com a voz firme.
 
— Eu sei. — respondi totalmente abalada tentando controlar a respiração.
 
Senti seus lábios passarem pelo meu maxilar, quase chegando aos meus. No mesmo instante,  abri os olhos. Parece que tive um choque de realidade. Céus! O que eu estava fazendo? Levei rapidamente minhas mãos as laterais do seu ombro e a afastei.
 
— Não! — falei sobressaltada.
 
Ela deu um passo para  trás e fez uma cara confusa.
 
— Isso não é  certo! — falei arrumando a postura, tentei normalizar meu tom de voz.
 
Swan fez uma expressão desapontada.  Afastou-se, abaixou para pegar o seu roupão. Ela ficou chateada.
 
— Swan, espera!  —  dei um passo à  frente, ela já estava de costas para mim, indo em direção à sua cama.
 
— Swan, olha pra mim! — puxei o seu braço, mas ela esquivou bruscamente do meu toque.
 
— Emma! — falei alto, dando passos largos e me colocando à sua frente. Levei minhas mãos ao seu rosto.— Olha pra mim! — puxei seu rosto para que me olhasse. — Você é linda! — falei olhando em seus olhos. — Ela tentou virar a cabeça  para o lado oposto e se desfazer  do meu contato.  Mas eu repeti o movimento e a mantive olhando para mim. — Você é linda! — disse novamente, olhando mais fundo nos seus olhos.
 
Ela deu um sorriso triste e irônico. Segurando em meu pulso. Mais uma vez tentado tirá-lo dali.
 
— Mas não o suficiente! — falou baixo, com decepção na voz, tentou abaixar a cabeça. Fiz força para manter seu olhar fixo no meu.
 
— Eu sou sua professora! — disse  rápido — Sou casada! Coloque-se no meu lugar! — falei alterada.
 
Ela amenizou a expressão. Respirou fundo, e depois de alguns instantes voltou a falar.
 
— Eu sei! — respondeu em um tom agora compreensivo. —  A culpa é  minha. Eu não deveria ter colocado você nessa situação. Me desculpe.  — desviou o olhar envergonhada.
 
— Você não me obrigou a nada. — falei me mantendo na mesma posição.  — Tenho muita culpa nisso!
 
Ela voltou a segurar em meu pulso.  Mas ao contrário das outras vezes, não fez força para se livrar do meu toque.  Me olhou, deu um sorriso.
 
— Tenho uma coisa pra você. — disse tímida.
 
Me desfiz do contato e dei um passo para trás, a olhei confusa. Ela soltou o seu roupão  em cima da cama e pegou um papel em sua mochila.
 
— Achei na lojinha de souvenir.  — me entregou um postal. Nele tinha a imagem do por do sol em Mount Cadillac Acadia.  Exatamente igual ao que vimos no dia anterior.  A foto parecia retratar cada instante que passamos juntas. Sorri ao olhá-lo. Ela espelhou meu sorriso.
 
— Escrevi algo atrás. — falou envergonhada, quase sem me olhar. Virei o postal, e vi sua caligrafia, “Lembrei do seu abraço”, li mentalmente. Senti meu coração errar a batida.
 
— Emma... — falei baixo, com um nó na garganta. Minha voz falhou.
 
— Não precisa dizer nada. Eu sei que é  complicado. 
 
Sorri sem jeito. Me aproximei novamente dela, levantei meu braço  esquerdo e fiz um carinho em sua bochecha. Ela fechou os olhos e impulsionou mais seu rosto sobre minha mão, aproveitando o toque. Passou os braços por minha cintura e me abraçou.  Me aproximei e depositei um beijo carinhoso e demorado em seu rosto. Ela me apertou mais contra seu corpo quando sentiu meus lábios em sua pele.
 
— Obrigada! Eu adorei.  — falei em um sussurro, com os lábios ainda  colados em seu rosto.
 
— Regina, eu preciso que você responda esse formulá... — Ariel parou de falar na mesma hora que nos viu naquela situação.

Cinza das Horas (Swanqueen)Onde histórias criam vida. Descubra agora