15. O reino de Newydd

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Ochako mal conseguiu dormir durante a viagem. Isso, obviamente, por estar voando em um dragão. Além do mais, o vento frio que batia em seu rosto também não favorecia. A mando de Bakugou, escolheu roupas bem quentes para a viagem, pois ao norte da cordilheira, o frio era rigoroso a maior parte do ano. A jovem já havia testemunhado dias frios onde morava quando era época de inverno, mas nada se comparava ao que estava sentindo naquele momento. Ficou até surpresa em ver o chão branco coberto pela neve, já que no sul do continente era quase impossível ver neve, mesmo no inverno.
Mais algumas horas sobrevoando aquelas terras cobertas pela neve, eles finalmente avistaram o castelo real de Newydd. Ochako nunca havia visto um castelo de perto assim. Aquela imponente construção a deixou maravilhada.
Eles pousaram com os dragões no pátio do castelo. Já do lado de dentro, os criados os acompanhavam pelos corredores. Ochako olhava ao redor do local, observando os quadros que compunham as paredes de pedra. Pararam em frente a uma grande porta, e do lado de fora, os quatro conseguiram escutar as risadas, a animação, e a música que tocava do outro lado. Haviam chegado bem na hora da festa de casamento. As portas foram abertas revelando uma grande festa, com direito a um banquete, muita bebida, e música.
— Olha só quem chegou, meus ferreiros favoritos! — Um loiro que segurava um alaúde e um caneco de cerveja se aproximava, alegre e levemente bêbado.
— Kaminari, por favor, não me envergonhe. — Uma garota de cabelos curtos e em tons de roxo vinha logo atrás dele.
— Ah, não liguem pra Jirou. Ela só está emburrada porque a peça de teatro ainda não começou. — Kaminari tentou falar em um tom baixo, mesmo sendo possível que ela ouça.
— Venham! O rei Ojiro espera por vocês. — Os quatro a acompanharam até a mesa principal mais a frente no salão.
— Sejam bem-vindos! Que bom que chegaram a tempo para a festa. — O rei se levanta para cumprimentá-los.
— É um prazer conhecê-los! É muito bom poder finalmente conhecer os tão famosos draconianos. — Hagakure, esposa de Ojiro e rainha de Newydd, fez o mesmo.
— Você disse que está tendo problemas com Strigland, certo? — Bakugou já foi direto ao ponto.
— Bem… sim. Podemos tratar disso durante o jantar. Por favor, sentem-se! — Ele os oferece lugares em sua mesa.
Os quatro se sentam à mesa, servindo-se do banquete. Estavam famintos depois de tanto tempo de viagem.
— Não é segredo para ninguém que Strigland ataca e saqueia as terras vizinhas a eles. — O rei começou a falar.
— Não só as terras vizinhas. — Kirishima completou.
— Exato! Mas agora que todos os povoados de Strigland se unificaram em um único grande reino, o rei deles têm avançado mais e mais, invadindo as terras que já eram nossas há centenas de anos.
— Principalmente a região das Terras Altas, onde minha família reside. — Hagakure completou. — Ao que tudo indica, eles devem avançar cada vez mais.
— À essa altura, uma guerra é inevitável. — Bakugou pensou em voz alta.
— Precisamos de ajuda para defender as regiões perto da fronteira. Eles já invadiram e tomaram alguns dos castelos das Terras Altas. — Ojiro explicou. — Nós também contamos com a ajuda de alguns dos exércitos de Rodanya, mas não foram o suficiente já que eles também têm conflitos com a Rodanya Oriental. — Ele se referia ao reino cristão e vizinho a Rodanya.
Ochako observava toda essa conversa, abismada. Não fazia ideia da quantidade de conflitos que os nortenhos tinham uns com os outros. A conversa, no entanto, foi interrompida pela trupe de teatro que havia chegado no salão. Alguns dançarinos que se mexiam ao som de instrumentos, contorcionistas, e um bobo da corte traziam a alegria para o lugar. Finalmente aquela festa havia começado a ficar legal. Nada de conversas sobre política e guerras. Pelo menos até um certo momento.
— Respeitável público! — O apresentador do teatro chamou a atenção de todos. — Vocês o conhecem como o imponente, como o impiedoso e perverso. Endeavor, o rei cruel! — Ochako desfez seu sorriso no exato momento em que ouviu o nome dele. — Mas hoje, vamos conhecer o real lado do falecido monarca. Senhoras e senhores, com vocês: Endeavor, o rei do escarcéu!
— QUEIMEM! QUEIMEM TUDO QUE EU NÃO GOSTO. QUEIMEM! — Todos no salão riram com a interpretação caricata do ator do Endeavor.
— Majestade, aqui está seu café da manhã. Omelete com claras em neve. — Outro ator entrou em cena com um prato em suas mãos.
— EU ODEIO OMELETE. QUEIME ISSO! — Ele gritou, batendo no prato, o fazendo cair e derrubar tudo. Novamente, o público caiu na gargalhada.
— Majestade, os camponeses estão passando fome.
— EU NÃO LIGO. QUEIMEM TODOS ELES!
O salão inteiro ria com a atuação propositalmente exagerada do homem, exceto Ochako. Por mais engraçado que possa parecer a peça, aquilo não lhe traz boas lembranças.
— Adeus querido! Volte com segurança. — Uma atriz que representava a rainha viúva se despedia do marido. — Cá entre nós, mas eu espero que ele não volte! — A atriz diz para a plateia, que novamente cai na gargalhada.
— NÃO GOSTO DE FEÉRICOS. QUEIMEM TODOS! — O ator gritava.
Outra atriz entrou em cena, dessa vez jogando milhares de fitas vermelhas no ator do Endeavor. Aquilo simbolizava o fogo, já que ele havia morrido queimado. O ator agonizava no chão de forma bastante exagerada, arrancando risos dos espectadores. A atriz também jogou as fitas vermelhas nos atores que faziam o bispo e alguns dos guardas. Logo depois deles terminarem de agonizar no chão, se levantaram, deram as mãos, e se curvaram para a plateia, que aplaudiu o espetáculo.
— Bravo! Bravo! — O rei aplaudia alegremente.
— Se eu encontrasse a bruxa que fez isso eu daria um beijo nela. — Kaminari se junta aos demais na mesa. — À bruxa! — O loiro gritou, levantando o caneco. O restante das pessoas no salão fizeram o mesmo como forma de saudá-la.
Ochako apenas aplaudia com os demais para passar despercebida, mas por dentro estava péssima ao lembrar disso. O trio de draconianos percebeu pelo jeito que a feérica agiu, e por isso não falaram nada. Tudo que ela menos precisava agora eram todos os holofotes sobre ela.
No dia seguinte, Ochako caminhava pela pequena clareira que tinha dentro dos muros do castelo. Aquela clareira lembrava muito a que tinha na floresta onde morava. Se lembrou dos festivais de solstícios e equinócios, quando fazia suas orações aos seus deuses na clareira de sua floresta. Aquela sim era uma lembrança boa que a fez sorrir. Bons tempos aqueles!
— Aqui é muito bonito, não é? — Ela ouviu uma voz atrás de si. Ao virar-se, viu que era a rainha Hagakure. — Eu costumo vir aqui pela manhã. É meu lugar preferido!
— É sim. Esse lugar me lembra a minha casa.
— Sério? De onde você é?
— De muito longe, na verdade. — Ochako riu. — Não sei se deu pra notar, mas sou uma feérica.
— Povo dos druidas? — Ela tentava adivinhar, acertando logo de primeira. — Não sei o nome de muitas espécies do seu povo. É até um pouco vergonhoso já que somos próximos de certa forma.
— Próximos? — Ochako perguntou, confusa.
— É que os primeiros homens que vieram pra cá e fundaram o reino de Newydd dividiam as mesmas terras com povos feéricos. Isso foi antes da expansão do cristianismo, claro. Mas esses primeiros homens compartilhavam da mesma religião que vocês.
— Então é por isso que esse lugar me lembra tanto a minha casa. — Hagakure concordou. — Então vocês têm as mesmas crenças que as minhas?
— Em partes, sim. O que mudou foi que passamos a nomear nossos deuses. Inclusive, o selo da família real de Newydd é a figura de Cernunnos, deus dos animais.
— É parecido com a religião dos draconianos. Vocês dão nomes e têm representações visuais deles. De onde eu vim, não os chamamos por nomes. Simplesmente acreditamos que eles são tudo que tem na natureza. — Ochako sorriu, olhando ao redor da clareira. — É bom poder ver algo que me lembre meu lar.
— É bom poder finalmente conhecer algum feérico. Nós soubemos o que têm acontecido com o seu povo.
— Eu tive sorte de conseguir escapar. Não sei nem se algum dia poderei voltar. Me entristece saber que a história do meu povo está sendo apagada. Mas eu espero que algum dia as coisas melhorem por lá.
— Olha… — Hagakure mostrou o pequeno livro que tinha em sua mão. Era praticamente um livro de bolso. — Eu tenho lido isso desde que achei no castelo da minha família antes de vir morar aqui. É bem antigo, e creio que seja da época em que nossos povos conviveram juntos. Pensei em ler para aprender mais sobre vocês, mas aparentemente é um livro sobre magia, então não vai ser muito útil pra mim. Mas talvez seja pra você. — Ela o entregou para Ochako.
— Tem certeza? — Perguntou.
— Tenho sim. Ele deve ter sido do seu povo primeiro, então tecnicamente estou devolvendo. — Ela riu.
— Muito obrigada! — Ochako agradeceu, sorrindo de volta.
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NOTAS FINAIS
- Caso tenham alguma dúvida quanto a localização dos reinos, basta voltar no capítulo do mapa. Lá tem tudo explicadinho.
- Só esclarecendo caso eu tenha deixado um pouco confuso no capítulo: a população de Newydd e o povo feerico dividem o mesmo conjunto de crenças e tradições, no geral. Porém, devido a distância, alguns elementos nessas crenças acabaram se divergindo, tipo o fato dos deuses de Newydd terem nomes e os dos feericos não.

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