Capítulo 13 - Lian

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Fechei a porta vagarosamente e suspirei cansado, ficar no meio de tantos desconhecidos é tão estranho e desconfortavel que acho que vou ficar o resto do dia no quarto.
Tirei os sapatos e os deixei do lado da porta, o chão estava gelado demais para meu gosto, atravessei o quarto correndo para esquentar os pés no sol forte que batia na varanda. Estiquei os braços para cima, me espreguiçando, escutei minha coluna estralando e olhei para trás da maneira que conseguia.
- Pelos Deuses - comentei virando novamente - estou até parecendo o vovô.
Dei um pequeno sorriso me lembrando dele, não tive muito tempo com ele, quando ele morreu eu deveria ter uns quatro ou cinco anos, mas me lembro muito bem de como qualquer movimento que ele fazia vinha acompanhado de um barulho.
- Verdade, só que você é jovem demais para ficar igual seu avô - pensei em voz alta.
Me debrucei na mureta para olhar para baixo, o pátio estava vazio, com a exceção de um burro que comia enquanto era perturbado por uma galinha que insistia em ficar nas suas costas, ele a espantava com o rabo mas logo em seguida ela voltava.
- Pobre burrinho - comentei enquanto apoiava a cabeça na minha mão - não tem um segundo de paz.
Olhei em volta, para a paisagem, era bonita, mas os campos de rosas de jardim de cima são mais bonitos. Avistei algumas árvores bem ao fundo, imagino que sejam as árvores frutíferas que existem aqui, depois verei isso, quanto mais cedo eu começar o pomar melhor.
Olhei para cima, já era quase hora do almoço, mas estava sem fome.
- Mas é lógico que você esta sem fome - disse me virando e encostando na mureta - tomou café agora a pouco.
Assim que me virei notei que em volta da varanda havia uma grande trepadeira crescendo, ela começava na esquerda e passava por cima da porta do quarto, indo em direção a outra...
- Varanda ? - me aproximei e vi que havia outra varanda ali, não estava perto mas também não estava longe.
Me perguntei de onde ela seria, e na mesma hora tive minha resposta. Amenom apareceu sem a parte de cima da roupa e foi até a mureta, olhou em volta e, surpreso, parou os olhos em mim.
- Lian ? - Chegou mais perto - não tinha notado que da varanda do seu quarto é possível ver a minha.
Se debruçou até demais para olhar o pátio, depois voltou e subiu na mureta sem dificuldades, afinal se aqueles braços grandes não servirem nem para isso não sei o por que de tantos músculos.
- Que coragem - comentei cruzando os braços - não tem medo de cair ?
- Na verdade não - disse chutando o ar com os dois pés - uma vez cai de um lugar alto da fortaleza, no momento pensei que iria morrer, mas como sai vivo só com essa cicatriz nas costas perdi totalmente meu medo de altura.
- E o que você estava fazendo nesse lugar alto ? - levantei uma sobrancelha.
- Não sei - sorriu - eu costumava ser uma criança muito levada.
Ficamos quietos por um instante.
- E mesmo que eu caia - disse apontando para baixo - tem uma carroça com feno ali, ela vai amortecer a queda.
- Com certeza vai - comentei irônico, pelos deuses, que rapaz sem noção.
- você não acredita ? - olhou para mim
- Claro que não, você morreria de qualquer jeito se... Não sei, tentasse pular até aqui, por exemplo.
Um brilho curioso surgiu nos seus olhos, ele serrou um pouco o cenho e sorriu desafiador.
- Você duvida ?
- Duvido o que ?
- Que eu consiga pular daqui até ai - saiu da mureta e começou a se afastar.
Ri sarcástico, achei que ele estava blefando ou algo do tipo, mas ele parecia confiante demais
- Você está brincando não é ? - fiquei serio
- Não... - ele parecia calcular alguma coisa - agora chega um pouco para o lado.
- Você vai cair - tentei avisa-lo enquanto abria caminho.
- Não vou, não precisa se preocupar - disse zombando
- Não estou preocupado - rebati meio irritado enquanto encostava na parede - só estou pensando em todo o trabalho que seu corpo vai me causar.
Ele parecia estar pronto para pular, o olhei com expectativa e talvez um pouco ansioso e preocupado, mas só um pouco, bem pouco mesmo. Ele correu mas parou a muito pouco da mureta.
- Eu disse que você não iria fazer isso - revirei os olhos e olhei para o lado.
- Eu vou pular, mas achei que seria mais interessante se apostássemos algo. - ele ficou me olhando esperando alguma reação minha.
- O que tem em mente - cedi a tentação.
- Não sei - ficou quieto - que tal um pedido ? Se eu conseguir você fica me devendo alguma coisa que eu pedir... Não, melhor, duas coisas
Pensei um pouco, não tem porque pedir algo caso ele não consiga, já que mortos não se mexem, e tudo é arriscado demais.
- Não acho que seja uma boa ideia - disse o encarando.
Ele deu de ombros e me encarou de volta.
- ahhhh tudo bem - disse impaciente - então temos um combinado.
Ele riu e se afastou novamente, dessa vez foi mais longe, calculou novamente, correu, tomou impulso na mureta e pulou.
Olhei a cena surpreso, não acreditava que ele tinha feito mesmo aquilo
Amenom caiu na minha varanda com uma cambalhota e logo já estava em pé comemorando. Se aproximou, tentei me afastar da gritante diferença de altura mas já estava encostado na parede.
- Ganhei - disse triunfante.
- Sorte - disse dando de ombros.
- De qualquer jeito ainda tenho meus dois pedidos.
- Então o que vai ser ? - descruzei os braços
Ele pensou um pouco.
- Não sei, vou deixar eles guardados para alguma outra hora. - assoprou uma mecha do cabelo que ficou um pouco bagunçado da cara.
- Faça como preferir - entrei dentro do quarto e ele veio atrás
Fui até o baú com minhas roupas e comecei a revira-lo, procurando por um livro que tinha visto mais cedo
- Achei - pensei em voz alta o erguendo.
- Um livro ? - perguntou Amenom enquanto virava uma cadeira para se sentar - você gosta de ler não é ?
- Aham - joguei as roupas que espalhei novamente no baú.
- Eu acho tãoooooo tedioso - cruzou o braço no encosto e deitou a cabeça - detestava passar horas lendo livros e mexendo com papéis quando ainda tinha algumas aulas com o meistre da fortaleza.
- Imagino que tenha parado cedo então - sentei na cama
- Estudei até começar o treinamento para ser cavaleiro.
- Entendi.
Ficamos quietos por um tempo enquanto mexia no livro.
- Do que mais você gosta ? - perguntou quebrando o silêncio
Parei para pensar um pouco.
- Além de livros, também gosto de flores, chuva, atirar com arco e silêncio.
- Ah é - ajeitou a postura - ouvi dizer que você é muito bom com o arco.
- É... eu treino bastante. - deixei o livro na cama e olhei para ele.
- Você... me mostraria como você atira ? - perguntou com certa expectativa.
- atirar ? - questionei surpreso - Agora ?
- Sim, é cedo acho que ainda da tempo de irmos antes do almoço - se levantou
- Ah, esqueça, não vou sair agora só pra te mostrar como eu uso o arco!
- Vai sim - cruzou os braços - ou já esqueceu que me deve duas ?
Olhei para ele.
- Vai gastar um pedido com isso ?
Deu de ombros.
- Eu tenho um sobrando para depois.
O encarei em silêncio, arrependido de ter feito essa aposta.
- Tudo bem - revirei os olhos.
Me levantei para ir calçar os sapatos, mas antes que os alcançasse, alguém bateu na porta.
- entre - falei.
Lili colocou a cabeça para dentro.
- Senhor Lian, vim só... - ela reparou que não estava sozinho - Desculpem, atrapalhei algo ?
- Não se preocupe Lili, você não está atrapalhando nada.
Ela acenou com a cabeça e continuou.
- Vim avisar que o almoço logo estará pronto e a mesa já esta posta.
- Certo - me virei para Amenom - acho que não vamos poder sair.
- Não tem problema, ainda temos o dia inteiro pela frente - sorriu levemente - depois, a tarde, passo aqui para irmos atirar.
- Tudo bem então - acho que ele não vai desistir.
- Vou colocar alguma roupa, até já - começou a ir para a varanda.
Fui atrás e o segurei pelo braço.
- Use a porta - apontei para ela, Lili não demonstrava, mas tenho certeza que não estava entendendo nada.
- Por aqui e mais divertido - apontou com a cabeça.
- Porta! - disse serio e ele acabou cedendo, me virei para Lili - quanto a você Lili, fique, preciso de sua ajuda.
Ela entrou abrindo caminho para Amenom.
- Não se esqueça, em ? - disse se virando.
- Não vou - ele começou a sair, mas o parei antes que o fizesse - Amenom, espere.
Ele voltou.
- Quantos anos você tem ?
- 17, por quê ?
- Só para saber.
A mentalidade não condiz com a idade.
- E você tem quantos mesmo ? - perguntou
- Eu já lhe falei - ele tentava lembrar, pensou um pouco e disse:
- 15 ?
- Aham - estava surpreso por ele ter lembrado.
Ficamos quietos e então ele se despediu e saiu. Lili fechou a porta atrás dele.
- O que o senhor precisa ? - perguntou.
- Me ajude a arrumar essa bagunça que eu fiz - abri o baú mostrando o emaranhado de roupas.
Agachamos e começamos a dobrar as roupas.
- Não se preocupe senhor Lian, eu cuido disso sozinha.
- Deixe disso, não ligo de ajudar, além do que terminamos mais rápido.
Ela concordou e continuamos dobrando, bom... se bem que com o tempo que eu gastava com uma roupa Lili já tinha arrumado três.
- O que teremos hoje para o almoço - perguntei quebrando o silêncio.
- empadão de faisão com purê de batatas - respondeu.
- E de que tamanho eles são ? - parei de dobrar para olhar para ela.
Lili pensou um pouco e fez um circulo com as mãos.
- Um pouco maior que isso - fiz uma cara feia e Lili indagou - não gosta ?
- Não é isso, e que ainda estou cheio do café.
- Entendo - me encarou um pouco - se quiser posso dizer que o senhor esta se sentindo indisposto ou cansado e que achou melhor descansar um pouco.
- Não seria falta de educação ?
- Normalmente sim, mas considerando sua noite e que são só vocês dois, imagino que esteja tudo bem.
Pensei por um instante.
- Você tem razão - sorri - pode dizer isso para ele.
Terminamos de dobrar as roupas. Lili se levantou e disse que estava indo.
- Tudo bem - me levantei também - peça desculpas aos cozinheiros por mim também.
- Sim senhor.
- E você já almoçou ?
- Ainda não senhor.
- Então sinta-se livre para comer o que me prepararam.
- Obrigada senhor, com licença - foi em direção a porta.
- Hey Lili - ela se virou - Se estiver desocupada mais tarde, passe aqui sim ?
Ela acenou com a cabeça e saiu.
Agora que estava sozinho e em pás novamente, não sabia o que fazer, não estava mais com vontade de ler e o sol estava forte demais para ficar do lado de fora, então no final resolvi tornar a mentira realidade. Me deitei na cama e dormi.

Quando acordei o sol já não batia mais na varanda, que horas já deveriam ser ?
Esfreguei a cara e bocejei, o cochilo tinha sido tão gostoso, virei para o lado contra a claridade e fechei o olho novamente para aproveitar mais um pouco. Porém minha alegria não durou muito, logo me lembrei que a qualquer hora Amenom aparecia para irmos atirar e me levantei com um pulo.
- Ahhhhh mas que inferno - reclamei aborrecido, fui até uma jarra com água enchi um copo.
Depois de beber, arrumei o cabelo da melhor maneira que podia, certo, só faltava trocar de roupa.
- Ainda tem uma mecha em pé - escutei uma voz atrás de mim.
Me virei assustado, Lili estava sentada me olhando com uma expressão levemente curiosa.
- Pelos Deuses Lili - disse levando a mão ao peito para sentir o coração acelerado - Você quase me matou do coração.
- peço desculpas, não foi a intenção.
- O que você esta fazendo aqui ?
- Vim te avisar que o senhor seu esposo foi a cidade com um amigo, ele pede desculpas por isso e que vocês podem atirar outro dia.
- Nossa, que pena - que alegria
- Ele tentou vir aqui te chamar, mas não deixei ele entrar dizendo que você estava cansado, espero não ter problema.
- Não, muito pelo contrario, fez muito bem.
Nunca vi tanta fidelidade em um criado, será que é por causa de ela ser nortenha ? Vou ter que esperar para ver.
Me sentei em uma cadeira do lado dela.
- Esta aqui a quanto tempo ?
- Não muito, entrei logo depois que eles sairam para lhe avisar, e como você realmente estava dormindo, fiquei aqui esperando - colocou uma mecha solta do cabelo atrás da orelha - O senhor queria falar algo comigo, não é ?
- Queria ?
- O senhor pediu para eu vim mais tarde.
- Ah sim - me lembrei de mais cedo - não era nada demais, só não queria ficar entediado o dia inteiro
- entendo - ela olhou para baixo.
Só então notei que ela estava bordando algo, parecia um pássaro, mas ainda estava no começo. Os movimentos rápidos e precisos de sua mão eram hipnotizantes, o jeito rápido que passava a agulha pelo pano e voltava mostrava sua experiência.
Me senti instigado, queria poder bordar, pena ser uma tarefa feminina... Espere... se bem que dada minha atual situação, acho que não seria um problema se eu aprendesse.
- Me ensina ? - perguntei tentando disfarçar a expectativa.
- A bordar - perguntou Lili, me olhando sem nenhuma surpresa ou espanto pelo pedido.
- Aham.
Ela me encarou por uns instantes, então estendeu a mão.
- Deixe me ver sua mão.
Estiquei, ela pegou e analisou.
- Pequena e magra - olhou o polegar - tem alguns calos, mas tudo bem. - me encarou - Costuma tremer ?
Neguei com a cabeça, então ela se levantou e disse:
- Vou pegar o material - e saiu.

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