Capítulo 15 - Lian

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 - Acho que torci o tornozelo - disse sentindo uma dor latejante
Amenom tentou por a mão, mas recuei assim que o tocou.
- Ai, cuidado - reclamei
- Desculpe - falou enquanto analisava a situação - consegue ficar de pé ?
Coloquei uma mão em seu ombro e tentei levantar, mas assim que o lado machucado tocou o chão a dor aumentou e teria despencado se não fosse por Amenom me segurar.
- Acho que não foi algo muito sério - disse passando a mão com muito cuidado - mas é melhor eu dar logo um jeito nisso
Vagarosamente, tirei minha bota e dobrei a calça, o local ainda estava normal mas logo começaria a inchar.
Ficamos uns instantes quietos, então Amenom lembrou:
- O meistre ! - se agachou ao meu lado - Vamos até lá, ele vai saber tratar do seu machucado.
- Mas como você espera que eu chegue até aquela torre ? Se nem em pé consigo ficar - disse impaciente
Ele pensou um pouco
- Eu te levo - disse
- O que ?
- Eu te levo até lá - apontou para o castelo com a cabeça
- Como você pretende fazer isso ? - falei erguendo uma sobrancelha
- Assim.
Sem aviso, Amenom colocou uma das mãos em baixo das minhas pernas e a outra nas minhas costas, então me ergueu no ar sem a menor dificuldade, igual uma donzela.
- AH NÃO - protestei indignado tentando sair dos braços dele - me recuso a ser carregado assim
Tenho certeza que ele segurou uma risada.
- Qual é o problema ? - perguntou atrevido, se divertindo com a situação.
- QUAL É O PROBLEMA ? - olhei pra ele - você gostaria de ser carregado igual uma princesa indefesa ? Agora, anda, me põe no chão.
- você tem certeza ? - perguntou
- Anda logo - disse irritado
Eu não entendi bem o que Amenom fez, mas ele mexeu os braços rapido dando a impressão de que tinha me soltado, quase me fazendo soltar um grito.
- Seu desgraçado - disse furioso enquanto o bobo ria da minha cara
Quando finalmente parou, ele pediu desculpas e começou a andar em direção ao castelo, ia protestar novamente, mas resolvi ficar quieto para isso acabar o mais rápido possível.
Entramos pela cozinha que, felizmente, estava vazia, passamos pelo salão de jantar e pela escadaria sem maiores problemas, então chegamos a porta que levava a torre do meistre.
- O que você tá esperando ? - perguntei olhando para Amenom
- Você abrir a porta - disse - minhas mãos estão ocupadas.
Revirei os olhos e levei a mão a maçaneta, porem antes que pudesse empurra-la a porta se mexeu sozinha.
- Senhores ? - perguntou Lili certamente estranhando a cena
Era só o que me faltava, encontrar alguém na reta final do trajeto.
Ela segurava uma bandeja sem nada em cima, deve ter ido levar comida para o meistre.
- Aconteceu alguma coisa ? - perguntou olhando meu pé descalço
- Eu torci o tornozelo - respondi tentando fazer o mínimo de contato visual com ela devido a intensa vergonha que sentia no momento.
- Entendo - disse sem reação aparente, abriu a porta e saiu do caminho - só vou levar essa bandeja para o lugar dela e já volto para ajuda-lo com o que for necessário.
- Obrigado Lili - dei uma rápida olhada para ela, a ruiva fitava meu pé e, possivelmente, sentindo meu olhar sobre ela, Lili se virou e disfarcei olhando para o lado.
- Senhor Lian... - começou calmamente - ... Onde está sua bota ?
Olhei em volta e não a vi em lugar nenhum, nem com Amenom.
- Não me diga que você esqueceu ela lá ? - perguntei me virando para ele
- Eu não vi que você tinha deixado sua bota para trás - mexeu a cabeça rapidamente para tirar um pouco de cabelo da cara - e por que eu deveria estar com ela ?
- Quem que me levantou ? - perguntei o encarando
- Quem tirou a bota ? - perguntou da mesma forma
- Eu teria pego ela se não você não tivesse me trazido a força - virei a cara para o lado.
- Ah, eu te forcei ? - perguntou indignado.
- Sim - ele ia responder mas o cortei - Lili, mande alguém ir até aquela macieira que fica ao norte da saída do pátio procurar minha bota.
- Sim, senhor - fez um aceno com a cabeça e saiu
Olhei para Amenom e apontei para a escada com a cabeça, ele revirou os olhos e subiu toda a escadaria circular até chegarmos na torre.
O Meistre estava comendo quando entramos, ele olhou a cena com curiosidade.
- O que houve ? - perguntou se levantando
- Estávamos treinando com o arco, pisei em falso e torci o tornozelo - resumi toda a história.
- Entendo - se aproximou e tocou o machucado - sente-se, vou olhar melhor o seu ferimento.
- Certo - disse enquanto Amenom me colocava em uma cadeira - mas antes termine de comer, isso pode esperar.
Ele olhou para mim e pensou um pouco, então acenou e voltou a comer. Amenom puxou uma cadeira e se sentou do meu lado.
- Qual é o nome dele mesmo ? - se aproximou e sussurrou me deixando surpreso.
- Lanom, se não me engano - respondi também sussurrando.
E falando nele, o Meistre observava com curiosidade nossa conversa secreta, certamente deve estar pensando que já somos confidentes. Ele deu um sorrisinho e voltou a dar atenção para o pão.
Quando terminou, se levantou e bateu as mãos na toga para tirar as migalhas, então foi até uma estante com vários potes e pegou três deles.
- Muito bem - disse pegando com cuidado meu pé e o colocando em cima de um banquinho - vamos ver.
Ele passou a mão com cuidado no meu tornozelo, perguntando onde doía, depois apertou de leve em alguns pontos, o que me fez soltar alguns grunhidos de dor, mas nada demais.
- Parece que não foi nada perigoso - pegou um dos frascos, abriu e cheirou - mas vai inchar e o senhor terá de ficar alguns dias sem andar até a dor passar.
Lanom enfiou a mão no frasco e passou a gosma esverdeada no meu tornozelo, depois pegou um pedaço de pano e começou a amarra-lo.
Olhei para Amenom, ele observava tudo sem nenhum entusiasmo, estava com as mãos cruzadas sobre o encosto da cadeira e a cabeça apoiada nelas, aproveitei seu momento de distração para analisa-lo.
Seu cabelo era um loiro muito, muito claro, tornando-se um branco com um brilho prateado muito bonito, como ele era comprido, chegando a um pouco mais que a altura dos ombros, ele sempre tinha que tirar uma mecha do rosto.
Os olhos, que eram violetas, chamavam muita atenção devido a cor, que contrastava com a pele branca, até mais que a minha.
Amenom era alto e tinha um corpo musculoso, imagino que fruto de anos de treinamento, mas ele não era uma montanha igual a Josh ou outros cavaleiros que costumo ver, era mais proporcional.
- Pronto - disse o Meistre - agora é só esperar e logo você estará bom
- Obrigado Lanom - disse e ele foi guardar o frasco.
- Agora é só irmos até o quarto - disse Amenom se levantando e se posicionando para me pegar no colo novamente.
- De novo ? - reclamei
- Tem alguma ideia melhor ? - perguntou
- Sim - respondi - me leve em suas costas, assim pelo menos passo menos vergonha.
Ele riu do comentário e se virou de jeito que consegui subir em suas costas.
- Pronto ? - nem esperou minha resposta e já me impulsionou para cima.
Nos despedimos e agradeci o Meistre novamente, logo depois saímos da torre.
Lili estava nos esperando no começo da escada segurando uma bota na mão.
- Achamos sua bota senhor - disse me mostrando.
- Obrigado - disse - agora Lili pode vir conosco ? Preciso de alguém para fazer minha cama.
- Sim, senhor - concordou e foi na frente.
Fomos logo em seguida, Amenom subiu as escadas sem o menor esforço, na verdade parecia que eu não fazia diferença alguma. Chegando ao quarto Lili abriu a porta e Amenom me deixou numa cadeira enquanto ela arrumava a cama.
- Que falta de sorte, não é ? - comentou Amenom - a primeira vez que você sai do castelo isso acontece.
- Se você não tivesse insistido em sairmos eu ainda estaria andando - cruzei os braços
Amenom me analisou.
- você é sempre assim ? - perguntou
- Assim como ? - espero que ele pense muito bem no que vai falar
- Assim... - acho que ele recebeu meu recado - sério ?
- Sou sim, algum problema ?
- Nenhum, é que eu nunca te vi sorrindo - se encostou na parede - só por cortesia.
- Isso é normal, Lili, por exemplo, também não costuma sorrir.
Ela se virou ao escutar seu nome, mas fiz um sinal dizendo que não era nada.
- Sim - disse Amenom - mas ela não é rabugent...
Ele se conteve percebendo a tolice que acabara de cometer.
O encarei irritado, é a primeira vez que alguém era tão cru comigo. Eu sei que sou rabugento, mas não era como se eu gostasse que me falassem isso.
- Desculpe - se virou para mim - eu não quis dizer...
- A verdade ? Tudo bem, eu conheço Lian Tyrell perfeitamente, não é nenhuma novidade. - disse me controlando.
O clima ficou pesado, ele não sabia o que falar e eu definitivamente não queria conversar.
- Esta pronta - disse Lili quebrando o silêncio.
- Eu te ajudo - disse Amenom se aproximando.
- Não precisa - disse rapidamente e me levantei apoiado em um pé só - eu dou conta sozinho.
Com dois pulos cheguei a cama e me sentei nela.
Amenom me olhava, acho que ele estava meio ressentido com o que disse e triste com minha atitude.
- Obrigado pela ajuda Amenom - disse sem olha-lo - já pode ir se quiser.
- Tudo bem - disse - eu passo aqui mais tarde para ver como você esta.
Saiu logo depois.
- Lili, vou trocar de roupa, espere ali fora que assim que eu terminar te chamo para leva-las, precisam ser lavadas.
Lili saiu e fechou a porta, me deixando sozinho.
Pulei até o baú no chão e peguei qualquer roupa mas não estava achando nenhuma calça, me sentei no chão para procurar melhor.
Comecei a remexer as roupas mas parei, pensando sobre tudo que acabou de acontecer.
Será que não fui muito grosso com Amenom ? Eu não gostei do que ele disse, mas mesmo assim não precisava ter tido uma atitude tão fria, ele pareceu ter ficado triste ou algo do tipo.
Acordei dos meus devaneios com um pulo, assustado com um passarinho que entrou no quarto e passou voando perto de mim. Olhei para ele em cima da mesa, era um pássaro muito bonito, mas tinha um canto irritante que rapidamente me aborreceu, o expulsei mexendo a mão bruscamente.
Aquele passarinho me lembrou Amenom de certa forma, animado e barulhento demais.
- Ora Lian - falei - isso só mostra que você não tem que se preocupar com ele, se ele fosse mais reservado estaria tudo bem.
Eu tinha razão, sou a mesma pessoa com todos, não é com ele que vou mudar.
Me levantei da melhor maneira que pude e me troquei, chamei Lili e lhe entreguei a roupa.
A observei enquanto dobrava as peças, o silêncio fez o questionamento voltar a minha cabeça.
- Lili... - comecei um pouco tímido.
- Sim ?
- Você acha que fui rude com Amenom ?
Ela olhou para mim e ficou um pouco em silêncio.
- Acho que você acabou sendo sim um pouco rude, mas ele também foi indelicado.
Não ajudou muito com o que eu queria, ficamos quietos novamente.
- Não gostei do que ele disse - falei por fim - eu não sei o que há de errado com ele, Amenom parece ignorar toda minha fama e o que sabe sobre mim, ele age com total despreocupação.
- E como ele deveria agir ? - surpreendentemente Lili perguntou.
- Eu não sei, as pessoas ficam mais quietas perto de mim, são mais diretas e sem toda uma animação por trás.
- Então sugere que ele não seja ele mesmo com você ? Que ele finja ser uma pessoa igual ao modelo com o qual você esta acostumado ?
- Eu não quis dizer isso... - Lili me encarou e pensei melhor - é, eu disse isso.
Olhei para ela.
- Onde você quer chegar ? - perguntei
- Acho que o senhor Amenom não o vê como alguém totalmente "inatingível", talvez ele esteja tentando se tornar seu amigo, se aproximar.
Parei para pensar nas palavras de Lili, e ela parecia certa, Amenom me tratava como igual, sem ligar para qualquer possibilidade de receber uma resposta mau humorada, ou de que pudesse morrer de tedio por passar um dia comigo.
- você tem razão, mas e agora, o que deveria fazer ? Pedir desculpas ?
Lili de ombros.
- Eu não sei senhor, apenas lhe digo que tome cuidado para que seu orgulho não seja maior que a força de vontade dele
- Eu não estou sendo orgulhoso - retruquei.
Lili parecia querer esboçar um sorriso, mas não o fez.
- Não se preocupe - disse reconfortante - pense no que pode ser a melhor solução para isso.
- E se eu escolher a opção errada ? - perguntei inseguro
- Vocês são jovens, ainda há muito tempo e novas oportunidades pela frente, se não der certo hoje, outro dia dará. - pegou as roupas que dobrou - com licença senhor, vou levar essas roupas agora.
Saiu para me deixar pensando não só em como deveria agir hoje, Mas também em como agir daqui para frente.
Quando me dei conta o sol já havia se posto e eu já estava com fome.
Felizmente logo Lili apareceu com uma fumegante canja de galinha.
- Ei Lili, obrigado pela ajuda mais cedo, tomei uma decisão sobre o que vou fazer.
- Fico feliz de ter te ajudado senhor.
beberiquei um pouco da canja, Estava muito quente, Mas estava gostosa.
- Sabe... Esse "senhor" o tempo todo me irrita, sinto-me velho, então se quiser me chamar só de Lian, eu não vou me importar - bebi mais um pouco.
Ela me olhou um pouco surpresa, então concordou com a cabeça.
- Tudo bem senhor... Digo, Lian.
Acabei sorrindo, mas ela não percebeu.
Terminei de comer, entreguei a tigela para ela.
- Quando sair, chame Amenom para mim, diga que quero falar com ele.
Ela concordou e saiu.
Me mexi na cama ficando de frente para a varanda, conseguia ver um pedaço do céu estrelado, gostaria de poder sair na varanda, mas infelizmente estou impossibilitado no momento.
Não muito depois alguém bateu na porta, mandei a pessoa entrar.
- Lili disse que queria falar comigo - disse Amenom fechando a porta
- Sim - respondi me virando.
- Eu ia vir aqui, mas... - levou a mão na nuca - pensei que você ainda estaria bravo comigo.
- Foi por isso que te chamei, quero pedir desculpas por ter sido tão frio e rude.
Ele me encarou surpreso.
- Você não está irritado ? - perguntou
- Não.
- Não mesmo ? - se sentou do meu lado.
- Já falei que não - Comecei a ficar impaciente.
Ele me olhou serio por uns instantes, então começou a rir e se jogou de costas na cama
- Qual é a graça ? - perguntei perdido
- Qual é a graça ? - perguntou parando de rir e se sentando novamente - eu pensei que você estava morrendo de raiva, com vontade de me matar ou algo do tipo.
Revirei os olhos.
- Na verdade eu queria mesmo te matar, mas eu pensei melhor, vi que estava exagerando, e decidi pedir desculpas.
- Esta tudo bem, não se preocupe - disse e ficou me encarando
- O que foi ? - perguntei já ficando incomodado.
- É que olhando para você assim, você não parece com o monstro que costumam falar que você é.
Suspirei.
- As pessoas exageram um pouco, mas eu realmente sou uma pessoa desagradável, respondo os outros secamente, me isolo das pessoas... - olhei para ele - sinto muito por você estar preso a mim.
- Eu não acho nada disso, não te achei desagradável, um pouco reservado talvez, mas seu jeito não me incomoda, de certa forma até me diverte. - disse com perceptível sinceridade.
Fiquei chocado com suas palavras, era a primeira vez que alguém falava assim comigo, até então só Amélia parecia gostar de mim pra valer.
- Você... Esta falando sério ? - perguntei depois de um tempo.
- Estou.
- Mas eu joguei toda a culpa do meu machucado em cima de você. - ele não podia estar sério.
- Você estava irritado por causa do machucado - retrucou.
- Sou estressado o tempo todo - insisti para que ele acordasse - estou sempre reclamando e ...
- Lian, pare com isso - falou como uma mãe dando bronca em um filho - já entendi que você tem vários defeitos, mas vou me acostumar com eles.
Fiquei quieto, e ele continuou.
- Com o tempo você vai ver que eu também tenho vários defeitos.
- Duvido - respondi
Ele riu.
- Eu não presto atenção nas coisas, tenho a cabeça dura, sou teimoso e insistente, eu... - se conteve olhando para mim - você esta rindo ?
Eu estava rindo, não era uma gargalhada mas ainda era uma risada.
- Sim - disse ele se aproximando - você esta rindo.
- Não se acostume - disse recobrando a postura - só achei engraçado você tentando me animar.
- Não estava tentando.
- Mas o fez - ficamos quietos, então estendi minha mão para ele - aspirantes a amigos ?
Ele sorriu e apertou minha mão.
- aspirantes a amigos.
Ficamos ali sentados por um tempo sem dizer nada, então eu disse:
- Por que não saímos lá fora para olhar para o céu ?
- É uma otima ideia - ele se levantou e foi na frente.
- Amenom - ele se virou - acho que vou precisar de uma ajuda.
- Ah, é mesmo - ele veio e me estendeu o braço, já que não alcançava seu ombro direito, e me ajudou a chegar na varanda - vou pegar uma cadeira para você.
Disse isso e me deixou escorado na mureta.
Acabei sorrindo, no final, acho que não vai ser tão ruim quanto pensei.

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