Mariana secava o suor que brotava em sua testa, resultante do calor que fazia naquele final de manhã. Havia acordado relativamente bem, se comparado aos dias anteriores. Já preparava em sua cabeça uma desculpa para convencer Adele de que ela não precisava procurar um médico, tão pouco dos famosos chás de Dona Amélia.
Ela mal teve tempo de pensar em algo, pois quando desceu a passagem estreita que chegava a lateral de seu pequeno jardim, já pôde ver sua jovem amiga sentada nos degraus que antecediam a porta de sua casa.
—Ceus!
Disse a si mesma.
—Achou que eu não viria para acompanhá-la, Mariana?
Adele perguntou ao ver a expressão derrotada da amiga, ao vê-la.
—Eu acordei ótima hoje, Adele. Caminhei debaixo desse sol, e nem tive nenhum mal estar. Acredito que era o que eu lhe disse ontem, só um mal estar passageiro mesmo.
Mariana passou por ela e foi direto para abrir a porta.
Adele ergueu uma sobrancelha, observando a amiga, que dizia estar ótima, porém ainda não havia recuperado a sua cor, ainda estava pálida.
—Bem, eu já avisei a Dona Amélia que iríamos lá, e deixei um recado para que quando Angélica chegasse, fosse nos encontrar.
Adele disse enquanto seguia Mariana para dentro da casa.
Ouviu a respiração descontente da amiga, mas não desistiu.
—Eu já disse, estou bem. No final, não é nada.
—Ok amiga, mas você passou dias se sentindo mal. Não custa nada averiguar. Mas é você quem sabe. Pode ir ver dona Amélia comigo, ou direi ao "Errr" padre Lucas para acompanhá-la até o hospital.
Mariana estava indignada, mas conseguiu rir da careta que Adele fez, antes de pronunciar o nome do padre.
—Adele, você precisa parar com essa implicância com padre Lucas.
Além do mais, não acho que você faria isso. Não consegue nem dizer o nome do homem sem desgosto.
—Mariana, não muda o rumo da conversa. Você decide o que quer fazer. Não duvide que para o seu bem, irei até a igreja falar com ele. Por mais que isso me custe.
Mariana bufou em revolta. Porém, seguiu na direção do quarto sem olhar mais para Adele.
—Vou esperar aqui.
Adele disse rindo da cara de poucos amigos que recebeu em resposta.
****
Um pouco mais tarde, Adele e Mariana conversavam com Dona Amélia. As três mulheres estavam sentadas na sala de chá da hospedaria, que cheirava a chá de hortelã e biscoitos que a gentil senhora tinha acabado de fazer.
—Tive que insistir para que ela viesse, Dona Amélia. Estava se sentindo mal há dias, hoje que a vejo comer alguma coisa sem ficar verde.
Dona Amélia riu do relato de Adele, e dá cara feia que Mariana dedicou a amiga.
—Não exagera, Adele.
—Então o que você realmente sentiu, minha querida? Está realmente pálida.
Dona Amélia interviu, tentando apaziguar as duas moças sentadas à sua frente.
—Bem, tenho me sentido cansada. Às vezes sem motivo algum, e algumas vezes sem apetite, pois até mesmo o cheiro de alguma comida, revira meu estômago.
Dona Amélia ergueu a sombrancelha surpresa, porém às próximas palavras de Adele, a deixaram apreensiva.
—Fala pra ela das roupas que não lhe cabem mais. Mesmo comendo tão pouco.
—Tudo isso deve ser mal estar por algo que comi.
—Ah, disso eu não tenho dúvidas.
Dona Amélia deixou escapar em voz alta, o que era para ser um pensamento. Porém suas palavras atraíram a atenção das duas moças.
—Viu Adele, eu disse isso.
Mariana sorriu jogando mais um biscoito na boca.
Dona Amélia suspirou, e olhou para as duas sem saber exatamente o que diria a seguir, porém, viu sua chance, quando observou o jovem padre atravessar a porta de entrada acompanhando seu marido, que seguiu direto para a recepção sem nem mesmo cumprimentá-las.
—Bom dia Dona Amélia, senhoritas.
Padre Lucas cumprimentou-as com um sorriso interessado, ao ver as três mulheres reunidas.
—Ah, bom dia padre. Venha, venha, sente-se aqui e aproveite para provar meus biscoitos de nata que acabei de fazer.
Dona Amélia levantando-se alegremente, guiou Lucas para que se sentasse na poltrona vazia ao lado de Adele, sem perceber a expressão de desgosto da moça.
—Aqui, Adele, pode servir o padre Lucas, enquanto Mariana me ajuda a retirar mais uma fornada de biscoitos do forno?
Dona Amélia disse, já conduzindo Mariana para a cozinha, que se desculpava com a amiga com um olhar.
Adele permaneceu em silêncio, tentando ignorar por completo a presença do padre sentado com as pernas cruzadas bem ao seu lado.
—Como está, Adele?
Lucas perguntou quebrando o silêncio, servindo a si mesmo de uma xícara de chá.
—Eu estava ótima, há alguns minutos. Mas... nada dura para sempre não é mesmo?
Adele lhe dedicou um sorriso irônico, que Lucas respondeu.
—Apenas a vida eterna, essa é para sempre. Talvez você descubra isso um dia, talvez não.
Adele o olhou indignada. O que fez Lucas ampliar o seu sorriso.
—O que quer dizer? Que não vou para o céu?
—Estou apenas dizendo que, talvez você vá, ou talvez não. Suas atitudes ultimamente, hum... estão deixando a desejar.
Lucas pegou um biscoito de modo displicente e o colocou na boca, fingindo não reparar na expressão alarmada da jovem ao seu lado.
—Há que atitudes se refere? Poderia esclarecer?
—A sua falta de respeito com o seu líder religioso, por exemplo.
Não pede a minha benção, não a vejo nas orações matinais, tão pouco foi a igreja para a confissão, desde que cheguei.
Posso estar enganado, porém já a vejo com os pés as portas do inferno.
Adele abriu a boca e fechou, tão chocada e assustada que ficou, ao ouvir as palavras do padre, que tinha divertimento em cada fibra de seu olhar.
—Pois acredite padre, respeitarei o senhor como um líder religioso, quando o senhor passar a agir como um. Respeito é algo recíproco.
Lucas franziu a testa incrédulo com o que acabava de ouvir. E virou-se completamente para Adele, fixando seu olhar severo sobre a jovem que o encarou de igual maneira.
—Desde quando lhe faltei com o respeito? Quando, deixei de agir como o líder religioso que sou?
Adele ofegou ao puxar a respiração devagar. Era a primeira vez que o via sem o ar debochado e o sorriso irônico que nunca deixava sua expressão. Acreditou que talvez, dessa vez, tivesse ido longe demais. Mas não exitou em respondê-lo.
—Anda de segredinhos com minha mãe, padre Lucas. E eu sei que falam sobre mim. Um abuso sem precedentes, sendo eu uma mulher adulta, muito capaz de cuidar da minha vida, sem intervenções.
O sorriso voltou ao rosto de Lucas.
—Então é por isso?
Não imaginei que esse fosse o problema.
Sua mãe não lhe contou, o que me pediu?
Adele virou o rosto para o lado oposto ao padre e bufou irritada. Era um absurdo a vergonha que sua mãe lhe fazia passar. Havia perguntado um milhão de vezes, o que ela queria com o padre. Sua mãe lhe disse apenas que em breve ela saberia.
—Não, e também não quero saber.
—Não acredito em você. Está na sua cara, que está enlouquecendo para saber.
Talvez, eu possa lhe dizer...
Adele se virou para ele de imediato, ansiosa, mas logo percebeu que não seria tão fácil.
—... Porém, haverá um preço.
Adele apertou os olhos, não acreditando naquilo. Que tipo de padre era ele? Como alguém de Deus, podia ser tão irritante?
—O que quer?
Lucas inclinou o corpo para a frente ficando a centímetros dela, o que a fez prender a respiração.
—Vamos começar pelo respeito que a senhorita me deve.
Lucas estendeu-lhe a mão e apenas aguardou.
Queria rir, gargalhar da expressão de ódio contida no rosto da jovem, mas se conteve mantendo o rosto sério.
—Sabe de uma coisa? Talvez o senhor tenha razão, e eu vá mesmo para o inferno.
A sua benção... Padre!
Adele pegou a mão que Lucas lhe estendia e encostou seus lábios demoradamente em sua pele, sem desviar os olhos dos dele em nenhum minuto. E foi assim que ela viu o choque percorrer o rosto dele, que tentou puxar a mão do seu toque, mas ela não permitiu, até que ele a puxou com mais força, a olhando sem acreditar no que havia feito.
—Adele, o que pensa que está fazendo?
Lucas perguntou se levantando e cerrando os dentes para conter sua ira.
—Ora, não era o que queria? Pois saiba, que toda vez que me obrigar a lhe pedir a benção, é isso o que farei... ou pior...
Adele se levantou e ficou cara a cara com ele.
—...E estou pouco me importando, se vou para o inferno, porém, se ficar no meu caminho, eu o levarei comigo, padre.
Fique avisado.
Lucas observou completamente atordoado, a jovem sair pisando firme da sala, sem olhar para trás.
—Mas que... desaforada!
Pois muito bem Adele, é guerra que você quer? Pois eu lhe darei.
****
Dona Amélia deixou Mariana confusa, ao passar direto pela cozinha, guiando-a pelas escadas laterais que levavam a parte de trás da pousada, onde ficavam os aposentos dos donos do lugar.
—Entre aqui querida.
Dona Amélia fez sinal para Mariana passar pela porta. A acompanhou, fechando a porta em seguida.
—Algum problema, Dona Amélia? Não se sente bem?
Mariana ficou apreensiva com o olhar preocupado no rosto da senhora, que apenas a observava.
—Mariana, eu... bom. Não tem um jeito fácil de dizer o que preciso.
—O que aconteceu?
Mariana pegou as mãos da amiga e se sentou com ela nas poltronas que ficavam proximas a janela.
—Minha querida Mariana, vou lhe fazer uma pergunta e dependendo da sua resposta, minha filha, temo que sua vida mudará extremamente.
O coração de Mariana começou a bater forte. Até ali, acreditou que Dona Amélia poderia estar com algum problema e precisava conversar, mas pela apreensão na voz dela, percebeu que não era nada com a senhora que ainda segurava as suas mãos de maneira carinhosa, mas sim consigo.
—A... a senhora pode perguntar.
O que deseja saber?
—Suas regras, estão vindo normalmente?
Mariana sentiu o ar lhe faltar, a mente girando e buscando na memória a última vez que...
—Ah, meu Deus! Ah meu Deus...
—Calma, Mariana querida. Não adianta se desesperar agora, calma.
Mariana ainda tapava o rosto com as mãos e tentava retomar a respiração normal. Mas em sua cabeça simplesmente assimilou o que Dona Amélia queria lhe dizer.
—Meu Deus, os... os sintomas, todos aqueles dias de mal estar, eu...
As lágrimas a tomaram por completo.
Mariana não sabia se eram de emoção ou desespero. Mas algo muito forte a dominava, e ela chorou, amparada pela amiga.
—Acalme-se querida. Se estiver mesmo grávida, isso não fará bem ao bebê.
—Eu preciso ter certeza, preciso saber.
—Sim, mas se suas regras estão atrasadas, e com todos esses sintomas Mariana, é praticamente certeza.
Mariana concordou com um gesto de cabeça, pois não encontrava as palavras. Sua mente buscou a imagem de Paulo, e as lágrimas voltaram com força.
—Deus! O que vou fazer?
E se... se ele não voltar? Não, não, eu não quero pensar nisso.
Mariana secou os olhos e puxou o ar. Não iria começar a duvidar do amor que sentiam, não era justo com ele.
—Com ele, você quer dizer... padre Paulo?
Dona Amélia perguntou, e Mariana apenas concordou.
—Ele já havia tomado a decisão de deixar a batina.
Ela disse, sentindo a necessidade de se justificar.
—Você não me deve nenhuma explicação minha querida. Eu notei o amor de vocês acho que até antes de vocês aceitarem o que estava acontecendo. Não os culpo por nada, e nem tenho esse direito.
Sabe que pode contar comigo, não sabe?
—Sim, muito obrigada Dona Amélia. Estou... me sentindo um pouco perdida. Queria que ele estivesse aqui, mas... ao mesmo tempo, sei que Paulo precisa desse encerramento ou ele não vai conseguir ficar em paz com a sua decisão.
Dona Amélia apertou as mãos de Mariana em sinal de conforto.
—Então, não pretende avisá-lo?
—Não posso fazer isso, Paulo já abriu mão de muita coisa por mim. Se ele souber da possibilidade, tenho certeza de que deixaria tudo por lá, e voltaria. Não, isso não é justo.
Dona Amélia concordou e puxou Mariana para um abraço.
—Não se preocupe querida. Você não estará sozinha.
Mariana deixou que as lágrimas a tomassem mais uma vez. Porém sentia uma doce alegria dentro de si. Sabia dos desafios que a aguardavam se realmente estivesse grávida, e não só por isso, mas grávida de Paulo. Mas ainda assim seu coração já se enchia de amor por uma criança que ela nem tinha certeza de que estava carregando.
As dúvidas foram deixadas de lado, quando saiu da casa de Dona Amélia, encontrou Adele e Angélica sentadas no banco da praça.
As duas amigas acompanharam Mariana até a farmácia, onde comprou testes de gravidez de várias marcas diferentes.
No final daquela tarde, Mariana observava todos os testes enfileirados em cima da cama que diziam a mesma coisa.
Sim, estava grávida.Texto ainda sem revisão.
Imagens meramente ilustrativas.Música Tema do Capítulo
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Tentação
RomantizmMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...