A falta de mingau para agradar o Vonu Perembo não impediu Gálius de ir até à casa dele, naquela manhã fria. O rapaz tentava controlar a ansiedade em vão. Ele esfregava os dedos da mão direita contra a palma e deslocava o peso de uma perna para a outra com se aquilo fosse expurgar as imagens de Yoltesh sendo morto por Lerifan.
— O que há, rapaz? — o velho ergueu os olhos verdes e pesados de seu livro.
— Amado Vonu, eu... não sei...
— Vamos, direto ao ponto.
Gálius ficou vermelho e disse com ira contida — Vonu Lerifan assassinou meu amigo Yoltesh, diante de meus olhos!
Perembo levou as mãos contra o queixo e ficou observando-o com uma expressão impassível. Então, ele ofereceu o anel.
Gálius beijou o anel do sacerdote e isso fez com que a vermelhidão se dissipasse de seu rosto, no lugar disso, seus olhos se encheram de lágrimas que ele tentou ao máximo não derramar.
Perembo pigarreou, mas ainda assim a voz saiu rouca — Sente-se e me conte tudo, em detalhes.
Gálius sentou-se próximo, puxando uma das pesadas cadeiras que rodeavam a mesa onde Perembo tinha o costume de ler seus livros. Limpou as lágrimas nas mangas da camisa e colocou tudo para fora. Ao fim do relato, o vonu comentou.
— Sua alegação é de perseguição pessoal, por parte do Vonu Lerifan. Muito sério isto. Ainda que possa não compreender, eis meu conselho: esqueça isso, meu rapaz.
— Esquecer? Como posso esquecer, meu Vonu? Vejo Yoltesh morto em cada esquina, escuto as blasfêmias proferidas por Lerifan a cada instante...
— Isso passa. Tudo passa.
— Mas meu Vonu, ele não pode ficar impune! Pense no mal que ainda poderá fazer a tantas outras pessoas...
— Temos um Deus entre nós, mas não nos livramos dos males, não é mesmo? Isto porque os males residem em nós mesmos. Em nossas mentes, principalmente. Diga-me o que deseja fazer com Lerifan?
— Eu quero que ele pague, que o Rei-Deus faça justiça!
— É... isto. Mas é só isso? Diga, de verdade, o que faria com ele, se tivesse a oportunidade.
— Eu confesso, meu Vonu. Eu pensei em matá-lo... Mas sei que isso é errado, que tem que haver outro meio, foi por isso que...
— Veio me ver.
— Sim.
— Desculpe, mas não posso ajudá-lo com isso. Não devo me envolver, mais do que já estou envolvido.
Gálius coçou os cabelos, irritado, mas controlou-se. — Eu entendo sua posição. Poderia, ao menos me dar um conselho.
— Já não o fiz?
— Desculpe, mas não posso esquecer. Não vou esquecer, eu jurei... Eu jurei para o Yol, e jurei para Nashay...
— A morte vem para todos e a todo instante. Ela é a portadora de muitos ensinamentos. Eu mesmo acredito que aprenderei uma lição com a morte de seu amigo. Mas preciso meditar sobre o assunto antes.
— Vai me ajudar?
— Não sei ainda... Veja, por hora, terá que seguir com seus próprios pés. Vá para casa e descanse.
Gálius balançou a cabeça. Não iria fazê-lo.
— Como posso falar com o Rei-Deus?
Perembo respirou fundo e ergueu as grossas sobrancelhas de fios brancos e rebeldes — Deve ir ao Palácio de Areia. O Oxivonu Orozimo é encarregado de escutar as queixas dos cidadãos e eventualmente conceder audiências com o próprio Rei-Deus.
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O Coração de Tleos
FantasyAtenção, se você não leu os livros anteriores, cuidado com spoilers da sinopse. Depois dos eventos ocorridos em Herdeiros de Kamanesh, Arifa Desbrin se vê envolvida na eminente possibilidade de sua terra natal sucumbir ante o avanço dos demônios. Pa...