12 - Solo Sagrado

13 4 0
                                    

A falta de mingau para agradar o Vonu Perembo não impediu Gálius de ir até à casa dele, naquela manhã fria. O rapaz tentava controlar a ansiedade em vão. Ele esfregava os dedos da mão direita contra a palma e deslocava o peso de uma perna para a outra com se aquilo fosse expurgar as imagens de Yoltesh sendo morto por Lerifan.

— O que há, rapaz? — o velho ergueu os olhos verdes e pesados de seu livro.

— Amado Vonu, eu... não sei...

— Vamos, direto ao ponto.

Gálius ficou vermelho e disse com ira contida — Vonu Lerifan assassinou meu amigo Yoltesh, diante de meus olhos!

Perembo levou as mãos contra o queixo e ficou observando-o com uma expressão impassível. Então, ele ofereceu o anel.

Gálius beijou o anel do sacerdote e isso fez com que a vermelhidão se dissipasse de seu rosto, no lugar disso, seus olhos se encheram de lágrimas que ele tentou ao máximo não derramar.

Perembo pigarreou, mas ainda assim a voz saiu rouca — Sente-se e me conte tudo, em detalhes.

Gálius sentou-se próximo, puxando uma das pesadas cadeiras que rodeavam a mesa onde Perembo tinha o costume de ler seus livros. Limpou as lágrimas nas mangas da camisa e colocou tudo para fora. Ao fim do relato, o vonu comentou.

— Sua alegação é de perseguição pessoal, por parte do Vonu Lerifan. Muito sério isto. Ainda que possa não compreender, eis meu conselho: esqueça isso, meu rapaz.

— Esquecer? Como posso esquecer, meu Vonu? Vejo Yoltesh morto em cada esquina, escuto as blasfêmias proferidas por Lerifan a cada instante...

— Isso passa. Tudo passa.

— Mas meu Vonu, ele não pode ficar impune! Pense no mal que ainda poderá fazer a tantas outras pessoas...

— Temos um Deus entre nós, mas não nos livramos dos males, não é mesmo? Isto porque os males residem em nós mesmos. Em nossas mentes, principalmente. Diga-me o que deseja fazer com Lerifan?

— Eu quero que ele pague, que o Rei-Deus faça justiça!

— É... isto. Mas é só isso? Diga, de verdade, o que faria com ele, se tivesse a oportunidade.

— Eu confesso, meu Vonu. Eu pensei em matá-lo... Mas sei que isso é errado, que tem que haver outro meio, foi por isso que...

— Veio me ver.

— Sim.

— Desculpe, mas não posso ajudá-lo com isso. Não devo me envolver, mais do que já estou envolvido.

Gálius coçou os cabelos, irritado, mas controlou-se. — Eu entendo sua posição. Poderia, ao menos me dar um conselho.

— Já não o fiz?

— Desculpe, mas não posso esquecer. Não vou esquecer, eu jurei... Eu jurei para o Yol, e jurei para Nashay...

— A morte vem para todos e a todo instante. Ela é a portadora de muitos ensinamentos. Eu mesmo acredito que aprenderei uma lição com a morte de seu amigo. Mas preciso meditar sobre o assunto antes.

— Vai me ajudar?

— Não sei ainda... Veja, por hora, terá que seguir com seus próprios pés. Vá para casa e descanse.

Gálius balançou a cabeça. Não iria fazê-lo.

— Como posso falar com o Rei-Deus?

Perembo respirou fundo e ergueu as grossas sobrancelhas de fios brancos e rebeldes — Deve ir ao Palácio de Areia. O Oxivonu Orozimo é encarregado de escutar as queixas dos cidadãos e eventualmente conceder audiências com o próprio Rei-Deus.

O Coração de TleosOnde histórias criam vida. Descubra agora