40 - Bom em alguma coisa

12 4 0
                                    

Gálius estava suava muito e apertava os dedos contra as palmas das mãos. Contou a seu pai e seu irmão, Gorum, a respeito de sua participação nas preliminares. 

Onde eles estão? Pai? Gorum?

O rapaz procurava-os em meio à multidão.

Será que Yté ou Kalbin estão aqui? Lerifan? Dificilmente. Ao menos ele não fora contra a continuidade do meu treinamento.

Toda a tensão da luta se juntava à tensão que sentia quanto ao seu futuro, de Yté, dos silfos do gueto e de sua família.

Tleos está destinada a ruir. Será hoje? Daqui a um ano? Não faço ideia...

Gálius respirou fundo, tentando espantar os pensamentos incômodos. Sua primeira peleja estava próxima e tinha caráter eliminatório.

Um, dois, três, inspira, um, dois, três, segura, um, dois, três, expira.

A técnica ensinada por seu pai funcionou e seus olhos se concentraram na peleja que acontecia no quadrado.

Rigo estava pelejando contra um discípulo de Ragibe. Ele conseguiu pegar o oponetente pelo cotovelo e girar seu corpo um pouco. Isso deu-lhe o ângulo certo para fazer uma investida. No instante seguinte, Rigo estava no chão, em cima do oponente. Havia vencido. Seus companheiros de treino do quadrado de Romlod explodiram em comemoração, mas não Gálius.

Um, dois, três, inspira, um, dois, três, segura, um, dois, três, expira.

Rigo recebeu um caloroso abraço de alguns colegas e em seguida, a aprovação do próprio Romlod, que colocou sua mão nos ombros e disse.

— Não se anime demais, você ainda tem que vencer mais uma para passar.

O juíz anunciou a próxima dupla: Gálius e Hurak. O discípulo do mestre Icre era um sujeito enorme e parecia ser ainda mais forte que Rigo. Seus músculos bem definidos e untados com óleo brilhavam contra a luz do sol. Seus cabelos eram raspados, tendo apenas um tufo um pouco maior no cocuruto. Ele sorriu ao ver Gálius sendo empurrado na direção do quadrado por Rigo.

— Já era para você, magrelo! O Hurak vai te trucidar.

Aquilo quebrou a concentração de Gálius. Ele quase tropeçou ao entrar no quadrado. Seus cabelos longos estavam amarrados numa trança contra as costas. O oponente olhava para ele de modo selvagem e esfregava as mãos como se não pudesse esperar para esmagá-lo. A aquela altura, não dava mais para retomar o exercício de respiração.

Não é apenas uma disputa de força, mas uma disputa de antecipação. Romlod está certo, não vou me assustar pelo tamanho dele.

O juiz autorizou o início da disputa apontando para o centro do quadrado. Hurak deu três passos na direção de Gálius que procurou se afastar dando passos laterais.

A multidão vaiou e pessoas disseram coisas como "o fracote está fugindo!"

Hurak avançou com cautela. Não era nenhum amador e nem fez nenhum movimento desleixado, como se menosprezasse seu oponente. Gálius afastou a mãozorra do lutador como se estivesse usando uma espada. Hurak veio numa segunda investida e Gálius girou ligeiro para escapar. As pessoas vaiavam, e xingavam, mas Gálius nem sequer conseguia prestar atenção naquilo. As esquivas sucessivas de Gálius fizeram a expressão de Hurak mudar de um eventual riso debochado para uma carranca raivosa. Gálius o olhava com o queixo erguido, totalmente concentrado mantendo contato com os olhos.

Quando Hurak recuou os ombros para preparar sua próxima investida, Gálius mudou rapidamente sua base girando um pouco o corpo e deixando seu pé esquerdo mais perto do oponente. A investida veio, mas Gálius não deixou o abraço se assentar nele do jeito que Hurak pretendia. Sua cabeça passou por baixo do braço direito de Hurak e seus braços envolveram a pélvis. Gálius juntou as pernas no meio das de Hurak e jogou todo o corpo para trás se curvando como uma vara de pesca e fazendo o oponente voar por cima dele. Hurak foi ao chão, protegendo a cabeça com um braço e Gálius girou rapidamente para ficar acima de suas costas. O juiz declarou o vencedor e Gálius se levantou mal crendo em sua própria vitória. Alguns colegas de seu grupo vieram cumprimentá-lo, mas não o Rigo.

Romlod veio em seguida e disse sorrindo.

— Essa peleja já valeu por toda a competição! Excelente, Gálius!

— Obrigado, mestre.

Rigo torceu a boca e suas orelhas ficaram muito vermelhas. Como podia o mestre tratá-lo daquela maneira? Para Gálius elogios, para ele, um não se anime demais.

Porém, ele não teve tempo demais para nutrir aquele sentimento, o juiz o convocou para próxima disputa. Era um oponente conhecido, Rigo já o havia vencido numa disputa, meses atrás. Ele entrou no quadrado com as orelhas quentes e avançou com vontade contra o oponente eliminando-o no primeiro ataque. Seu grupo comemorou e mestre Romlod parabenizou-o com um pouco mais de entusiasmo. Com isso ele esfriou a cabeça. Chegou perto de Gálius e disse.

— Ia ser legal se você vencesse, magrelo. Daí eu ia poder te dar uma surra na competição.

Gálius ignorou a provocação do colega. — É isso ia ser bom para o mestre Romlod.

Assistiram mais duas lutas, mas Gálius conseguiu assisti-las tranquilamente. Quando foi chamado novamente, pegou um oponente bem menor que o primeiro, talvez apenas meio palmo mais alto que si. Ele estava nervoso. Ninguém ali vira Gálius antes. A princípio ele parecia apenas um novato fraco e pequeno, mas agora o seu adversário entrou olhando-o com respeito. Gálius aceitou a primeira investida e levou as pernas atrás para resistir à pressão do mais forte contra si. 

A vantagem de força não era tão grande e a disputa seria mais técnica. Então Gálius foi derrubado. Estava na defensiva, buscava uma brecha para contra golpe, então, conseguiu cair de lado, evitando a derrota. No chão, girou, pegando o braço do adversário e torcendo-o para trás fazendo-o gemer. Seu contra-ataque foi bem-sucedido e conseguiu ir para as costas do oponente, ainda colocando pressão no braço. O lutador desistiu tendo o rosto pressionado contra o solo.

Dos oito lutadores do quadrado de Romlod, apenas três se qualificaram para a competição. Pouco após receber os cumprimentos da equipe, inclusive de Rigo, Gorum surgiu do nada dando um abraço no irmão que o tirou do chão.

— Pelo Rei-Deus, irmãozinho! Você foi incrível!

— Obrigado, Gorum!

Seu pai estava logo atrás. Tinha um sorriso suave nos lábios. Ele colocou a mão esquerda no ombro do filho e disse.

— Foi muito bem, filho!

Gálius sentiu uma coisa nova dentro de si. Ele nunca havia sido bom em nada na vida. Tudo que fizera até então, parecia uma sucessão de acontecimentos sem muito sentido. Mas agora, sentiu ser bom em alguma coisa. Agradeceu ao pai contendo lágrimas que queriam escapar dos olhos.

— Obrigado, pai!

— Vamos para casa. Isso vale uma comemoração em família. Gorum, vá até à casa de sua irmã chamá-la, vamos reunir todos.

O Coração de TleosOnde histórias criam vida. Descubra agora