84 - Terríveis notícias

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Gálius não teve estômago para contabilizar feridos e ver todo o desdobramento daquele massacre. Chegou a ser agredido por alguns silfos que atribuíam-lhe parte da culpa por tudo aquilo. Foi defendido por Maduja, que enalteceu o trabalho da família da Gálius, em especial, de sua mãe apagando o incêndio.

Há coisa de meia hora, a mãe saiu dali para procurar Kyle, mas Gálius não conseguia pensar em outra coisa senão descer para a cidade e ir atrás de Lerifan. Com a confusão criada em torno de si, ele decidiu sair dali. Cego pela ira, passou direto de sua casa, onde seus irmãos menores e preocupados ainda não tinham notícias de nenhum deles. Chegou ao Palácio de Areia, suado e todo sujo de fuligem. Seguiu o caminho direto para o escritório de Lerifan.

— Pelo Rei-Deus, Gálius? O que houve com você? — disse o exivonu num convincente tom de surpresa.

— Ora o que houve? — Gálius sentiu um frio na barriga e foi tomado pela dúvida. — Então afirma que não sabe?

— Sei de quê, rapaz? — Lerifan levantou-se com olhos frios e penetrantes encarando Gálius — Não gosto do seu tom... Diga logo o que foi!

— O incêndio, o massacre no acampamento dos silfos... — disse Gálius, lágrimas de dor e raiva escorrendo por sua face, lavando a fuligem nas maçãs do rosto. Gálius sentiu o corpo tenso, poderia saltar por cima da mesa de Lerifan e estrangulá-lo. Ele deu um passo à frente.

— Pelo Rei-Deus, rapaz! Afinal, o que aconteceu?

O conflito estabeleceu-se dentro dele.

Isso tudo só pode ser obra dele! Mas eu não tenho provas... Serei preso e executado por um crime assim! E se Lerifan sobreviver? Se ele usar seus poderes para me fulminar como fez com Yoltesh? Depois de morto, minha família poderá sofrer consequências... Eu perderia Yté também.

Então pensou nas suas visões terríveis... Em haver muitas vidas... Controlando sua ira, conseguiu evitar um ataque a Lerifan.

— Fale de uma vez. Não fique aí parado com a boca aberta.

— O acampamento queimou. Centenas morreram. Houve um ataque nesta madrugada.

— Ataque? Por parte de quem?

— Não sei, arqueiros com flechas incendiárias. Eles fugiram.

— Isto é um absurdo! Preciso convocar a guarda imediatamente, quanto a você, vá até o palácio e notifique o Rei-Deus!

Gálius ficou sem ação. Não foi bem aquilo que imaginara. Ele tinha imaginado ver o cinismo no rosto de Lerifan, algum sinal, um tremor, um olhar de culpa, ou de regozijo, mas ele parecia surpreso e aflito. Poderia ser o caso dele não ser o culpado?

Lerifan passou por ele gritando — Guardas! Guardas! Chamem o comandante! É uma emergência!

Gálius percebeu que fora impulsivo, não tinha pensado direito.

Eu devia ter ido atrás de meu pai! Ajudá-lo. Encontrar alguma evidência sobre a origem do ataque.

Desceu até a rua. A esta altura, havia pessoas correndo para todos os lados. As notícias do incêndio vinham chegando também através de outras pessoas que chegavam ao centro vindo de Várzea Alta. Seguiu dali direto para o palácio.

— O oxivonu me enviou — disse aos guardas palacianos. — levem-me ao Rei-Deus.

Os guardas perguntam o que havia acontecido e ele explicou brevemente enquanto seguiam pelos corredores. O Rei-Deus estava na sala de pintura. Chegando perto foi abordado por Yté, que lutou para não perder sua própria compostura.

— Gálius! O que houve com você?

Ele a olhou e antes que pudesse dizer qualquer coisa, lágrimas rolaram de seus olhos.

— Kalbin, Nashay e centenas de outros... Estão todos mortos!

Yté perdeu a força nas pernas e ficou zonza. Um dos guardas e Gálius socorreram-na antes que caísse. O Rei-Deus ouviu a comoção e veio andando apressado.

— O que houve? — ele indagou — Já começou? — olhava direto nos olhos de Gálius.

— Não, acredito que não... O acampamento dos silfos foi atacado. Centenas estão mortos. — Gálius estava ajoelhado, amparando Yté, que chorava, chocada.

Vários criados que estavam por ali começaram a chorar. Todos tinham família no acampamento, pais, filhos, primos, tios, avós...

— Quem atacou? — indagou o Rei-Deus, furioso. Gálius nunca havia o visto daquele jeito.

— Arqueiros, usavam máscaras sobre os rostos.

— Ah, isto não vai ficar assim! Eu vou descobrir quem foram os responsáveis... E quando eu descobrir... Esses arqueiros como eram? Alguém viu para onde foram?

— Meu pai estava comigo quando chegamos ao acampamento. Ele decidiu seguir na direção que eles foram, ele teve treinamento militar e sabe como rastrear inimigos.

— Ótimo, devemos buscar notícias a respeito, agora mesmo.

Gálius se levantou e chegou perto do Rei-Deus. Disse baixinho — Se isso tudo fosse obra do oxivonu o senhor saberia, não é mesmo?

O Rei-Deus olhou para Gálius espantado. Aquela sugestão havia causado indignação.

— Ora, rapaz, isso seria ultrajante! Mas julgo que está fora de cogitação... Há de haver alguma outra explicação. Venha comigo, quero escutar o motivo de você ter dito algo assim.

Gálius sentiu seu estômago gelar. Agora não há escapatória! Devo contar ao Rei-Deus sobre a morte de Yoltesh.

Gálius seguiu o Rei-Deus até a sala de pintura. O Rei-Deus fez um sinal e logo, os criados saíram. Havia um forte cheiro de tinta na sala, um cheiro familiar. Muitas vezes, Gálius sentia aquele cheiro vindo das mãos do Rei-Deus.

Havia um quadro pintado pela metade. Nele, via-se uma imensa frota de navios. Uma das bandeiras, mostrava um símbolo que Gálius já vira uma vez, num livro de sua mãe. Era o dragão de duas cabeças, o símbolo de Lacoresh. Antes que pudesse pensar demais naquilo, o Rei-Deus o inquiriu.

— Então, diga porque pensa que isso poderia ser obra do exivonu?

Gálius pensou e resolveu contar o que aconteceu, desde o início. Assim que descreveu a situação em que Yoltesh foi morto, o Rei-Deus o interrompeu.

— Ora rapaz, com mil demônios! Por que não me contou sobre isso antes?

— Desculpe, senhor, eu imaginei que os senhor teria meios de saber. Também pensei que seria falta de ética falar mal de meu superior.

— Mas o que ele cometeu foi um crime! Um crime que obviamente o torna suspeito disso tudo que acaba de acontecer. Por outro lado, me surpreende o fato do exército ter mandado você aqui falar comigo.

— Como assim, alteza?

— Se ele estivesse mesmo envolvido neste ataque, penso que não arriscaria deixar que você se aproximasse de mim. Não sabendo o que você sabe. O que me parece é que aquele tolo de fato passou a confiar em você. É a única explicação.

— E se ele estiver por trás do grande incêndio? Se o que aconteceu lá no acampamento for apenas o início?

— Ora, Gálius, é impossível que um vonu tenha poderes para causar o que vi. Não faz o menor sentido. Além disso, sei que o incêndio virá devido a uma ameaça externa. Minhas visões estão me mostrando isso, posso ver. Há uma frota de navios lacoresa vindo para cá. Eu vi isso hoje. Parece-me que é dela que virá a grande destruição.

— Mas se não foi Lerifan? Quem pode ter sido?

— Isso é uma ótima pergunta. Acredito que se localizarmos seu pai, teremos uma boa pista.

O Coração de TleosOnde histórias criam vida. Descubra agora